Os livros que sou — Teolinda Gersão
Por: Beatriz Sertório a 2025-02-11
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Na Bertrand, somos livros — por isso, convidámos Teolinda Gersão para uma conversa sobre os livros que fizeram dela a escritora e leitora que é. Autora de mais de duas dezenas de obras e vencedora de múltiplos prémios, partilhou connosco os seus hábitos de leitura, as influências literárias que moldaram a sua escrita e os livros que mais a marcaram, passando pelo seu mais recente Autobiografia não escrita de Martha Freud. Afinal, como escreveu Afonso Cruz em Os Livros Que Devoraram o Meu Pai, “nós somos feitos de histórias, não de a-dê-énes e códigos genéticos, nem de carne e músculos e pele e cérebros. É de histórias.” Estas são as histórias de que é feita Teolinda Gersão.
Lembra-se de qual foi o primeiro livro que despertou em si o amor pela leitura?
Não houve um livro, foram muitos. E, antes de qualquer livro, houve as histórias que me contavam, as mesmas que em geral se contam às crianças, Branca de Neve, Gata Borralheira, Capuchinho Vermelho, e por aí adiante. Na infância, são momentos mágicos: além da história, de que estamos suspensas, existe a presença de quem conta, alguém que gosta de nós e de quem gostamos. Contar e ouvir é uma relação de amor, ou pelo menos de grande proximidade e afecto. Isso vai ter impacto na relação futura com os livros.
E pela escrita? Houve algum livro ou autor que tenha influenciado a tomada desse rumo?
Escrevi desde a infância, era tão natural como desenhar, brincar, ou jogar um jogo qualquer. Sempre achei que a coisa mais fascinante do mundo eram as histórias, e escrevê-las a maior das aventuras.
Qual o livro ao qual volta sempre, aquele que levaria consigo para uma ilha deserta?
A melhor resposta que já ouvi a essa pergunta é a de Chesterton: “Manual de Construir Barcos”. Mas eu não seria capaz de construir um barco, por isso levaria, em vez de um livro, um computador com uma carga inesgotável (que, nesse mundo hipotético, teria de existir), e me daria acesso a todos os livros que quisesse ler.
Mas a pergunta é na verdade um ultimato: “Escolha um livro”. Um livro de que nunca me cansasse. Leio sempre um bom livro mais do que uma vez. Aliás, o que distingue a literatura dos outros livros não é não ser descartável, nem ter prazo de validade?
Não consigo escolher apenas um, mas citarei alguns inesquecíveis: A Gaivota de Tchekov, Anna Karenina de Tolstoi, Os Demónios, de Dostojevski, Se isto é um homem, de Primo Levi, O Processo de Kafka, Memórias de Adriano de Marguerite Yourcenar, O Aleph de Borges, os Contos de Lydia Davis, Terna é a noite de Scott Fitzgerald, As Ondas de Virginia Woolf… Sem esquecer o livro de Ray Bradbury, Fahrenheit 451, que é uma glorificação dos livros e da liberdade de ler, num mundo louco que destrói o pensamento, a imaginação, a liberdade e o sentido crítico, destruindo os livros e proibindo a leitura.
Um livro que a fez rir, e outro que a levou às lágrimas?
Houve na minha infância um livro tipo banda desenhada, As aventuras de Plick e Plock, dois anões que faziam tropelias incríveis, e divertidíssimas porque eles se safavam sempre.
Chorar? Lembro-me de chorar com A Sereiazinha de Andersen, O Príncipe Feliz de Oscar Wilde e A Princesinha de Frances Burnett.
Como leitora, anota os livros ou prefere mantê-los intactos?
Ah, nesse campo sou mesmo muito selvagem. Anoto os livros, e a tinta!
Qual o cenário de leitura ideal? Em silêncio, no conforto da sua casa, ou num espaço público — com ou sem ruído de fundo?
De preferência em silêncio e em casa. Mas tenho capacidade de concentração, posso ler num café ou noutro espaço público, mesmo com grande ruído, desde que não ultrapasse decibéis suportáveis, e não tenha nada a ver comigo.
Que livro (ou livros) tem atualmente na sua mesinha de cabeceira?
Querida Cidade, de Antônio Torres e Os Rostos que tenho, de Nélida Piñon.
Qual foi o último livro que ofereceu ou recomendou a um amigo?
Nadja, de André Breton.
E a sua última descoberta literária?
Suponho que, como para muitas outras pessoas, foi Han Kang, uma autora surpreendente.
O que gostaria que os leitores soubessem sobre o seu último livro, Autobiografia não escrita de Martha Freud?
Sobre a vida íntima de Freud a informação era escassa, e sobre Martha ninguém sabia nada, antes de ser possível ler a correspondência de ambos durante os quatro anos de noivado, de 1882 a 1886, e publicada pela primeira vez entre 2011 e 2019. Os leitores, tal como eu antes de ler as cartas, não precisam de nenhuma informação prévia. O essencial é a capacidade de interpretar o que cada um deles partilhou sem filtro, e a responsabilidade de ambos pelo que deixaram escrito.
Pretendi dar ao leitor essa oportunidade, e foi por isso que escrevi o livro.