Três escritoras que transformaram os seus diagnósticos de cancro da mama em arte
Por: Beatriz Sertório a 2024-10-30
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“Ainda não encontrei outra forma de sobreviver senão continuar a escrever uma linha, mais uma linha, mais uma linha ...”. Esta citação do autor japonês Yukio Mishima poderia descrever as experiências de vida destas três escritoras. Depois de confrontadas com o diagnóstico que ninguém quer receber, transformaram a sua dor, medo e incertezas em palavras e fizeram da escrita catarse. Neste Dia da Prevenção do Cancro da Mama, um dia dedicado à sensibilização para esta luta que afeta cerca de 9000 portugueses e portuguesas todos os anos, partilhamos as suas histórias e os livros que nasceram de um dos períodos mais difíceis das suas vidas.
Audre Lorde
Apresentando-se publicamente como “mulher negra, lésbica, mãe, guerreira, poeta”, Audre Lorde, nascida em Nova Iorque em 1934, foi uma das figuras mais importantes do feminismo negro. Abordando questões sociais como o racismo, o capitalismo, a homofobia e a identidade negra, Lorde usou a sua voz para iluminar as múltiplas opressões enfrentadas pelas mulheres. Mas quando o diagnóstico do cancro da mama lhe bateu à porta, em 1977, sentiu-se inesperadamente vulnerável. Sentindo que precisava de um escape, voltou-se para a forma de arte que sempre a ajudou a dar sentido às coisas: a escrita. Entre 1977 e 1979, escreveu The Cancer Journals, uma espécie de diário da sua jornada com o cancro, mas também um convite à reflexão e à compaixão num mundo devastado por uma miríade de formas de violência.
Sempre um exemplo de força, após a mastectomia, Lorde optou por nunca esconder o facto de lhe faltar um dos seios. Num excerto particularmente inspirador, escreve, a propósito da sua decisão:
“Quando Moishe Dayan, o Primeiro-Ministro de Israel, se apresenta no Parlamento ou na televisão com uma pala sobre a órbita ocular vazia, ninguém lhe diz para ir arranjar um olho de vidro, ou que isso é mau para a moral do escritório. O mundo vê-o como um guerreiro com uma ferida honrosa, e uma a perda de uma parte de si próprio que ele marcou, lamentou e ultrapassou. E se alguém tiver dificuldade em lidar com a órbita ocular vazia de Moishe Dayan, todos reconhecem que o problema é dessa pessoa, e não dele.
Bem, as mulheres com cancro da mama também são guerreiras. Eu estive na guerra, e ainda estou. Tal como todas as mulheres a quem foi amputado um ou ambos os seios devido ao cancro que se está a tornar o principal flagelo físico do nosso tempo. Para mim, as minhas cicatrizes são uma lembrança honrosa de que posso ser uma baixa na guerra cósmica contra a radiação, a gordura animal, a poluição atmosférica, os hambúrgueres da McDonald's e o corante vermelho n.º 2, mas a luta continua e eu ainda faço parte dela.”
Susan Sontag
Uma das mais influentes intelectuais norte-americanas do século XX, Susan Sontag, nascida em Nova Iorque em 1933, foi inspiradora por várias razões. Professora, ativista na defesa dos direitos das mulheres e dos direitos humanos, ficcionista e ensaísta premiada e amplamente traduzida, Sontag enfrentou ainda a batalha do cancro da mama da melhor forma que sabia: refletindo, escrevendo e provocando novas formas de pensar com um ensaio notável sobre a utilização alegórica e culpabilizante da doença na nossa cultura. A Doença como Metáfora defende que a maneira mais autêntica de enfrentar a doença — e a mais saudável de estar doente — é resistir a esse “pensamento metafórico” e alegórico. Ao desmistificar essas fantasias, Sontag mostra o que a doença não é: nem maldição, nem castigo, nem um sinal de culpa. Controversa e desafiante, esta obra que se tornou um clássico instantâneo, considerada pela revista Newsweek como “um dos livros mais libertadores do seu tempo”, continua a ter uma enorme influência no pensamento dos profissionais médicos e, acima de tudo, na vida de muitos milhares de pacientes e cuidadores.
Numa das passagens mais impactantes, a autora escreve:
"Não é a designação em si que é pejorativa ou condenatória, mas o nome 'cancro'. Enquanto uma determinada doença for tratada como um predador maligno e invencível, e não apenas como uma doença, a maioria das pessoas com cancro ficará de facto desmoralizada ao saber que doença tem.”
Anne Boyer
Com 51 anos, a aclamada poeta e ensaísta norte-americana Anne Boyer conta já com vários prémios — um deles, o Prémio Pulitzer de Não-Ficção 2020, com uma origem inesperada. Aos 41 anos, Boyer foi diagnosticada com um agressivo tipo de cancro da mama. Para uma mãe solteira, com rendimentos modestos, a tragédia desta doença foi também o despertar para uma nova perspetiva sobre mortalidade, dor e políticas de saúde marcadas por interesses económicos e desigualdades de género. Daí surgiu a inspiração para escrever o livro As que não Morrem, que lhe valeu o seu primeiro Pulitzer, onde a autora partilha, sem meias palavras, o seu testemunho de sobrevivência. Para além de contar a sua jornada pessoal com o cancro da mama, a autora denuncia ainda, de forma corajosa, um mundo de fetichistas, vloggers e indústria do cancro, de manipulações empresariais, de ativistas pró-dor, de pegadas ecológicas da quimioterapia, de crueldades do capitalismo, de exploração pelas farmacêuticas e de hipocrisias da “cultura do laço cor-de-rosa”.
Numa citação que poderia ser um mote desta luta, escreve:
“O grande fracasso do cancro da mama não são as pessoas que morrem, mas o mundo que as faz adoecer".
Encontre aqui mais testemunhos inspiradores e livros informativos sobre a luta contra o cancro da mama.