Três escritoras que transformaram os seus diagnósticos de cancro da mama em arte

Por: Beatriz Sertório a 2024-10-30

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The Cancer Journals
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A Doença como Metáfora
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As que não Morrem
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O encontro próximo com a morte que inspirou o novo livro de Afonso Cruz

Um livro que nasce de um beco. Assim descreve Afonso Cruz o seu mais recente livro, O que a chama iluminou (Companhia das letras). Por um lado, o beco em que se viu encurralado por dois blindados conduzidos por carabineiros em Santiago do Chile, em 2019. Por outro, o quase “beco sem saída” em que se encontrou quando um jipe em contramão embateu no carro onde seguia em Punta Arenas, nesse mesmo ano. Dessa viagem atribulada (e potencialmente fatal) ao Chile, resultou uma reflexão sobre o fim das coisas, que se materializou primeiro num espetáculo e agora em livro.

Os livros da vida de Pedro Mexia, Tati Bernardi e mais

É uma curiosidade natural de qualquer leitor: o que lêem os escritores que admiramos? A resposta pode estar num novo livro, recém-chegado às livrarias. O que lêem os escritores?  parte de  um desafio colocado a vários autores do catálogo da editora Tinta da China para escreverem um texto original sobre um ou mais livros que os marcaram — aquele a que voltam várias vezes, aquele que os fez descobrir a leitura, aquele que os acompanhou numa viagem ou que simplesmente nunca lhes saiu da cabeça … O resultado é uma verdadeira ode à leitura e às histórias que nos formam, reunindo textos de autores como Dulce Maria Cardoso, Gregório Duvivier, Rui Cardoso Martins ou Rui Tavares.

Amigas inseparáveis

Um acaso, e o sopro do vento, numa noite de verão, fez com que Mayumi Inaba encontrasse Mi, uma pequena gata recém-nascida abandonada. Um encontro inesperado que as juntou até a morte as separar, vinte anos mais tarde. O livro é o relato dessas duas décadas e faz-nos não só mergulhar na vida indissociável de ambas, mas também nos locais descritos, de forma muito realista. 

“Ainda não encontrei outra forma de sobreviver senão continuar a escrever uma linha, mais uma linha, mais uma linha ...”. Esta citação do autor japonês Yukio Mishima poderia descrever as experiências de vida destas três escritoras. Depois de confrontadas com o diagnóstico que ninguém quer receber, transformaram a sua dor, medo e incertezas em palavras e fizeram da escrita catarse. Neste Dia da Prevenção do Cancro da Mama, um dia dedicado à sensibilização para esta luta que afeta cerca de 9000 portugueses e portuguesas todos os anos, partilhamos as suas histórias e os livros que nasceram de um dos períodos mais difíceis das suas vidas.


Audre Lorde

Apresentando-se publicamente como “mulher negra, lésbica, mãe, guerreira, poeta”, Audre Lorde, nascida em Nova Iorque em 1934, foi uma das figuras mais importantes do feminismo negro. Abordando questões sociais como o racismo, o capitalismo, a homofobia e a identidade negra, Lorde usou a sua voz para iluminar as múltiplas opressões enfrentadas pelas mulheres. Mas quando o diagnóstico do cancro da mama lhe bateu à porta, em 1977, sentiu-se inesperadamente vulnerável. Sentindo que precisava de um escape, voltou-se para a forma de arte que sempre a ajudou a dar sentido às coisas: a escrita. Entre 1977 e 1979, escreveu The Cancer Journals, uma espécie de diário da sua jornada com o cancro, mas também um convite à reflexão e à compaixão num mundo devastado por uma miríade de formas de violência.

Sempre um exemplo de força, após a mastectomia, Lorde optou por nunca esconder o facto de lhe faltar um dos seios. Num excerto particularmente inspirador, escreve, a propósito da sua decisão:

“Quando Moishe Dayan, o Primeiro-Ministro de Israel, se apresenta no Parlamento ou na televisão com uma pala sobre a órbita ocular vazia, ninguém lhe diz para ir arranjar um olho de vidro, ou que isso é mau para a moral do escritório. O mundo vê-o como um guerreiro com uma ferida honrosa, e uma a perda de uma parte de si próprio que ele marcou, lamentou e ultrapassou. E se alguém tiver dificuldade em lidar com a órbita ocular vazia de Moishe Dayan, todos reconhecem que o problema é dessa pessoa, e não dele. 

Bem, as mulheres com cancro da mama também são guerreiras. Eu estive na guerra, e ainda estou. Tal como todas as mulheres a quem foi amputado um ou ambos os seios devido ao cancro que se está a tornar o principal flagelo físico do nosso tempo. Para mim, as minhas cicatrizes são uma lembrança honrosa de que posso ser uma baixa na guerra cósmica contra a radiação, a gordura animal, a poluição atmosférica, os hambúrgueres da McDonald's e o corante vermelho n.º 2, mas a luta continua e eu ainda faço parte dela.”


Susan Sontag

Uma das mais influentes intelectuais norte-americanas do século XX, Susan Sontag, nascida em Nova Iorque em 1933, foi inspiradora por várias razões. Professora, ativista na defesa dos direitos das mulheres e dos direitos humanos, ficcionista e ensaísta premiada e amplamente traduzida, Sontag enfrentou ainda a batalha do cancro da mama da melhor forma que sabia: refletindo, escrevendo e provocando novas formas de pensar com um ensaio notável sobre a utilização alegórica e culpabilizante da doença na nossa cultura. A Doença como Metáfora defende que a maneira mais autêntica de enfrentar a doença
 e a mais saudável de estar doente  é resistir a esse “pensamento metafórico” e alegórico. Ao desmistificar essas fantasias, Sontag mostra o que a doença não é: nem maldição, nem castigo, nem um sinal de culpa. Controversa e desafiante, esta obra que se tornou um clássico instantâneo, considerada pela revista Newsweek como “um dos livros mais libertadores do seu tempo”, continua a ter uma enorme influência no pensamento dos profissionais médicos e, acima de tudo, na vida de muitos milhares de pacientes e cuidadores.

Numa das passagens mais impactantes, a autora escreve:

"Não é a designação em si que é pejorativa ou condenatória, mas o nome 'cancro'. Enquanto uma determinada doença for tratada como um predador maligno e invencível, e não apenas como uma doença, a maioria das pessoas com cancro ficará de facto desmoralizada ao saber que doença tem.”


Anne Boyer

Com 51 anos, a aclamada poeta e ensaísta norte-americana Anne Boyer conta já com vários prémios
 um deles, o Prémio Pulitzer de Não-Ficção 2020, com uma origem inesperada. Aos 41 anos, Boyer foi diagnosticada com um agressivo tipo de cancro da mama. Para uma mãe solteira, com rendimentos modestos, a tragédia desta doença foi também o despertar para uma nova perspetiva sobre mortalidade, dor e políticas de saúde marcadas por interesses económicos e desigualdades de género. Daí surgiu a inspiração para escrever o livro As que não Morrem, que lhe valeu o seu primeiro Pulitzer, onde a autora partilha, sem meias palavras, o seu testemunho de sobrevivência. Para além de contar a sua jornada pessoal com o cancro da mama, a autora denuncia ainda, de forma corajosa, um mundo de fetichistas, vloggers e indústria do cancro, de manipulações empresariais, de ativistas pró-dor, de pegadas ecológicas da quimioterapia, de crueldades do capitalismo, de exploração pelas farmacêuticas e de hipocrisias da “cultura do laço cor-de-rosa”. 

Numa citação que poderia ser um mote desta luta, escreve:

“O grande fracasso do cancro da mama não são as pessoas que morrem, mas o mundo que as faz adoecer".

Encontre aqui mais testemunhos inspiradores e livros informativos sobre a luta contra o cancro da mama.

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