As célebres (e inusitadas) últimas palavras de 10 escritores
Por: Beatriz Sertório a 2021-03-01 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa
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Conta Ricardo Araújo Pereira, no livro A doença, o sofrimento e a morte entram num bar, que o ator e comediante Buster Keaton "morreu rodeado de amigos. Pouco antes de morrer esteve muito tempo imóvel, e por isso os amigos não sabiam se ele ainda estava vivo. Um deles sugeriu então a outro: 'Toca-lhe nos pés. As pessoas quando morrem têm sempre os pés frios', ao que Buster Keaton, abrindo os olhos, respondeu: "A Joana d'Arc não". E morreu. Dizer uma última piada antes de morrer parece o final de vida perfeito para alguém que dedicou a sua vida a fazer os outros rir. Mas nem sempre as últimas palavras de alguém estão à altura da vida que levou.
Da mesma forma que aguardamos com antecipação o final de um grande livro, também a última página da história de cada um de nós é alvo de curiosidade e expectativas. Mas essas expetativas são acrescidas quando se trata de alguém que dedicou toda a sua vida às palavras. O escritor russo Lev Tolstoi acreditava que "as palavras de uma pessoa no leito da morte são particularmente significantes". No entanto, hoje em dia, ninguém sabe ao certo quais foram as suas últimas palavras, variando desde a solene frase "Eu amo a verdade" à misteriosa inquietação "Mas os camponeses .... como morrem os camponeses?". Vários escritores proferiram frases igualmente misteriosas, e até inusitadas, antes de morrer.
Conheça as últimas palavras de 10 escritores, algumas das quais pode encontrar, entre muitas outras, no livro Não sei o que o amanhã trará, de F. Pedro-Cyrino.
1. Ernest Hemingway
"Boa noite, minha gatinha."
Conta-se que pouco antes de morrer, Hemingway isolou-se na sua cama durante dias, revelando sinais de uma depressão grave. Apesar dos medicamentos que tomava e da terapia eletroconvulsiva a que foi sujeito, no dia 2 de julho de 1961, cometeu suicídio com um tiro de uma caçadeira na cabeça. Quem o encontrou, na casa onde viviam juntos, foi a sua mulher, Mary, para quem tinha escrito uma carta onde se despedia com estas palavras.
2. Jane Austen
"Não quero nada além da morte."
Embora tenha desvalorizado a doença que lhe levou a vida (e que até hoje não se sabe ao certo qual era) e continuado a escrever, mesmo após estar confinada à cama, conta-se que nos últimos dias da vida de Jane Austen, a escritora já se encontrava num sofrimento tão grande que quando a sua irmã, Cassandra, lhe perguntou se queria alguma coisa, foi esta a sua resposta. Morreu com apenas 41 anos, no dia 18 de julho de 1817.
3. Fernando Pessoa
"I know not what tomorrow will bring."
Fernando Pessoa foi internado no hospital de S. Luís dos Franceses, no Bairro Alto, em Lisboa, no dia 29 de novembro de 1935, e veio a falecer no dia seguinte, com um diagnóstico que indicava “cólica hepática” associada a cirrose. Nas suas últimas horas, passadas apenas na companhia do médico, do capelão e de uma enfermeira, fez um último pedido: "Dá-me os óculos!", que alguns biógrafos de Pessoa referem como tendo sido as últimas palavras do escritor. Contudo, após lhe darem os óculos, um pedaço de papel e uma caneta, ainda escreveu, em inglês, a seguinte frase: "I know not what tomorrow will bring" (Não sei o que o amanhã trará), tendo sido este o seu último testemunho escrito.
4. Johann Wolfgang Goethe
“Abre a segunda persiana para que possa entrar mais luz... vem minha filhinha, dá-me a tua mão.”
Embora as últimas palavras do autor alemão sejam, frequentemente, apresentadas apenas como "Mais luz", a frase completa, dirigida à sua enteada, Ottilie, foi um pouco menos enigmática. O escritor morreu em Weimar, na Alemanha, no dia 22 de março de 1832, de paragem cardíaca. Tinha 82 anos.
5. Oscar Wilde
"Eu e este papel de parede estamos num duelo até à morte. Ou ele morre ou morro eu."
Para um esteta com veia humorística, como era Oscar Wilde, estas últimas palavras não poderiam ser mais apropriadas. Pronunciou-as acerca do papel de parede do quarto de hotel onde se encontrava em Paris, combatendo um caso grave de meningite. Acabou por morrer nesse dia, 30 de novembro de 1900, antes de ver o papel de parede removido. Contudo, 100 anos depois da morte do escritor irlandês, o hotel concretizou o seu desejo, tendo substituído o infame papel de parede.
6. Emily Dickinson
"Tenho de ir. O nevoeiro está a aproximar-se."
Tendo morrido vítima de uma doença nos rins, com apenas 55 anos, as últimas palavras de Emily Dickinson foram tão intrigantes quanto os seus poemas. Embora nunca tenha parado de escrever, nos seus últimos dias de vida já só tinha energia para escrever breves notas, tendo escrito esta mensagem num bilhete que endereçou à sua sobrinha. O funeral realizou-se numa biblioteca e, durante a missa, foi lido um poema de Emily Brontë, que era um dos preferidos de Dickinson.
7. James Joyce
"Será que ninguém compreende?"
Um homem tão controverso como foi James Joyce não podia abandonar o mundo sem deixar um último mistério. Foi num quarto de hospital, em Zurique, onde tinha sido admitido para uma cirurgia, que expressou esta inquietação, antes de ser induzido num coma que acabou por levar à sua morte. Morreu no dia 13 de janeiro de 1941, com 58 anos, tendo sido enterrado no cemitério Fluntern, em Zurique.
8. Franz Kafka
"Mata-me! Ou serás um assassino!"
As últimas palavras do autor de A Metamorfose foram dirigidas a um médico que não queria dar-lhe uma dose letal de morfina. Embora já mal conseguisse falar, consequência da tuberculose laríngea de que padecia, Kafka conseguiu ainda manifestar o sofrimento em que se encontrava, expressando o seu desejo de morrer. No entanto, não viu realizada a sua intenção de uma morte indolor e rápida, tendo acabado por morrer de fome, após a sua garganta se ter fechado ao ponto de já não se conseguir alimentar. Tinha 41 anos.
9. Fiódor Dostoiévski
"A minha hora chegou. Devo morrer."
Após os médicos terem sido chamados a casa de Fiódor Dostoiévski e terem traçado um prognóstico pouco favorável para a hemorragia pulmonar de que padecia, o autor russo percebeu que a sua hora tinha chegado. Na companhia da sua mulher e filhos, pediu a Anna Dostoiévski que lesse uma passagem da Bíblia às suas crianças. O excerto escolhido continha o que o autor entendeu como profecia: "Mas Jesus respondeu: Deixe que assim seja agora; pois assim convém que façamos, para cumprir toda a justiça” (Mateus 3:15), ao que Fiódor respondeu: "Ouviste? Deixa que assim seja. A minha hora chegou. Devo morrer". Outras versões sobre a sua morte, contudo, sugerem que as últimas palavras dele foram antes uma declaração de amor a Anna, tendo, alegadamente, afirmado: “Eu amei-te e não te traí uma única vez, nem nos meus pensamentos".
10. Voltaire
"Padre, isto não é hora de fazer inimigos."
Conhecido por ser um dos pensadores mais brilhantes do período do Iluminismo, é curioso que as últimas palavras de Voltaire tenham, afinal, sido uma piada. Conta-se que no leito da sua morte, com 83 anos, foi visitado por um padre que, decidido a salvar a alma do filósofo deísta, implorou-lhe que renunciasse a Satanás. Fazendo jus ao seu espírito crítico e a um surpreendente sentido de humor (que faz lembrar o de Buster Keaton na altura da sua morte), Voltaire não hesitou, tendo respondido "Padre, Padre... isto não é hora de fazer inimigos". Morreu no dia 30 de maio de 1778, em Paris.
Este artigo foi revisto no dia 8 de março, de 2021.