Manoel de Barros, o apanhador de desperdícios

Por: Bertrand Livreiros a 2021-12-19 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa

Manoel de Barros

Manoel de Barros

Manoel Wenceslau Leite de Barros (Cuiabá, 19 de dezembro de 1916 — Campo Grande, 13 de novembro de 2014) foi advogado, fazendeiro e poeta. Escreveu o seu primeiro poema aos 19 anos, mas a sua revelação poética ocorreu aos 13 anos de idade quando ainda estudava no Colégio São José dos Irmãos Maristas, Rio de Janeiro.
Autor de várias obras pelas quais recebeu prémios, como o Prémio Orlando Dantas, em 1960, conferido pela Academia Brasileira de Letras ao livro Compêndio para Uso dos Pássaros.
Em 1969 recebeu o Prémio da Fundação Cultural do Distrito Federal pela obra Gramática Expositiva do Chão e, em 1997, o livro Sobre Nada recebeu um prémio de âmbito nacional.

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Para Manoel de Barros, um dos mais aclamados poetas brasileiros de sempre, a poesia era uma “voz de fazer nascimentos”. Apesar de ter escrito o seu primeiro livro de poemas aos 19 anos de idade Poemas Concebidos sem Pecado), só ficou conhecido aos 64, quando Millôr Fernandes  o descobriu  e divulgou. A partir daí, levaria a literatura brasileira a atravessar o oceano, valendo-lhe a comparação a Guimarães Rosa, enquanto figura de proa do panorama literário do seu país. Apesar de ter sido com a poesia em prosa de Arthur Rimbaud que aprendeu que podia misturar todos os sentidos, os seus verdadeiros mestres foram as crianças e a natureza, a quem dedicou grande parte dos seus poemas. 
 

Admirado pelos seus contemporâneos – Carlos Drummond de Andrade recusou o epíteto de maior poeta vivo do Brasil a favor de Manoel de Barros -, continua a ter uma influência tremenda em autores contemporâneos de diversas nacionalidades. O autor angolano Ondjaki, no prefácio do seu livro Há Prendisajens com o Xão, escreve que foi Manoel de Barros quem lhe ensinou a importância do chão (em referência ao poema O apanhador de desperdícios: “Não gosto das palavras fatigadas de informar. Dou mais respeito/às que vivem de barriga no chão/tipo água pedra sapo”). Já o moçambicano Mia Couto, no poema Um abraço para Manoel, reconhece como o poeta brasileiro lhe ensinou uma “sabedora desgeografia”

 

No dia em que celebramos 105 anos desde o seu nascimento, recordamos Manoel, o poeta, “fazedor de frases” e “apanhador de desperdícios”.

 

‘Poesia não é para compreender mas para incorporar
Entender é parede: procure ser árvore.’

 
 

 
O POETA DAS DESIMPORTÂNCIAS

 

O Livro sobre Nada é uma das obras mais importantes de Manoel de Barros. Para ele, os verdadeiros temas poéticos eram os que até uma criança pode exprimir, as coisas aparentemente desimportantes e necessariamente inúteis. Numa entrevista feita em sua casa, o autor apresenta a secretária onde se sentava a escrever como o seu “lugar de fazer o inútil”. Escrevia Manoel: “A poesia é a virtude do inútil”, e quão importante é reservar lugar para o inútil numa sociedade em que cada vez mais somos julgados pela nossa capacidade de produzir, de ser úteis. 

Manoel sabia que o vazio, o nada e a liberdade de ser absolutamente inútil são condições indispensáveis à imaginação e à criação poética (e artística). Por isso escreve, no poema Retrato Do Artista Quando Coisa: “A maior riqueza do homem é a sua incompletude”. Deste lado do Atlântico, escrevia outro poeta: “Porque é bela a arte? Porque é inútil. Porque é feia a vida? Porque é toda fins e propósitos e intenções” ( Fernando Pessoa, Livro do Desassossego ).

 

 

‘Tudo que não invento é falso.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira. ‘

 
O HOMEM QUE PROCUROU SER ÁRVORE

 

Apesar de, cronologicamente, pertencer à Geração de 45, formalmente, a poesia de Manoel de Barros insere-se no pós-Modernismo brasileiro. Uma das principais figuras deste período, Oswald de Andrade publicou, em 1926, o Manifesto Antropófago (ou Antropofágico), apregoando um regresso da literatura brasileira ao primitivismo e propondo “deglutir” o legado cultural europeu e “digeri- lo” sob a forma de uma arte tipicamente brasileira. A poética de Manoel, embora não se identifique em absoluto com nenhum movimento, é expressão desta tendência. Este regresso às origens passa, no caso de muitos autores deste período, e com particular importância em Manoel de Barros, pela ligação à natureza.

Os seus poemas são povoados de bichos e é nos animais e na natureza que encontra uma verdade mais profunda do que a que pode ser entendida com o intelecto. Com as árvores e os rios, aprendeu mais do que com os grandes filósofos e procurou, através da poesia, incorporar as suas lições. No poema O apanhador de desperdícios fala da importância que dá à natureza: “Dou respeito às coisas desimportantes/ e aos seres desimportantes./ Prezo insetos mais que aviões.”

 

 

POST-SCRIPTUM DE MANOEL DE BARROS.

NELE PODE LER-SE: “ESCREVER EM ABSURDEZ FAZ CAUSA PARA POESIA/ EU FALO E ESCREVO ABSURDEZ/ ME SINTO EMANCIPADO” .

 
 
A INFÂNCIA, TERRITÓRIO DE LIBERDADE

 

O crítico literário norte-americano Cleanth Brooks defende que a literatura e, em particular, a poesia é o processo mais sofisticado a partir do qual o Homem perceciona a sua realidade; que não é possível entender verdadeiramente poesia sem se entender o que é ser humano. Por essa razão, acredita que é possível existir uma criança campeã de xadrez ou um prodígio musical, mas nunca um crítico literário ou poeta criança. Manoel de Barros tinha uma visão algo diferente. Num dos poemas que dedicou aos mais pequenos (escreveu uma trilogia intitulada Memórias inventadas dedicada ao público infantojuvenil), escrevia: “Com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende com as crianças”.

Para Manoel, a infância era um território de liberdade no qual a linguagem é mais maleável e, por isso, mais dada à criação, ou algo a que ele chamava de “criançamento” das palavras. Num dos poemas publicados no seu O Livro das Ignorãças, escreve: “O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos./ A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som./ Então se a criança muda a função do verbo, ele delira.”  as crianças e a poesia conseguem fazer um verbo “delirar ”, pela sua habilidade inata de transformar o sentido das coisas. O que o poeta desejava era, à semelhança de Fernando Pessoa, libertar-se das restrições da gramática e criar uma linguagem sua, para a qual o entendimento é parede. Como escrevia Bernardo Soares em O Livro do Desassossego: “Obedeça à gramática quem não sabe pensar o que sente”. 

 


 

Manoel morreu a 13 de novembro de 2014, já com 97 anos, mas manteve, até ao fim, essa capacidade de brincar com as palavras e com a vida. Com ele, aprendemos como pode ser libertador não saber tudo e até mesmo desaprender o que nos é ensinado. Como escreve no poema  Uma Didática da Invenção“Desaprender 8 horas por dias ensina os princípios”.

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