Histórias de amor dos nossos escritores favoritos
Por: Sónia Rodrigues Pinto a 2022-02-11 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa
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“Todas as cartas de amor são / Ridículas. / Não seriam cartas de amor se não fossem / Ridículas.” Assim escreveu Fernando Pessoa sobre esse disparate que é o amor, sem nunca deixar de entregar o seu coração aos versos que publicava. Ao pesquisarmos no Google por “poemas de amor”, obtemos mais de 88 milhões de resultados. Milhões de cartas ridículas, procurando descrever um sentimento mais antigo do que o tempo.
Ninguém escreve melhor sobre amor do que os poetas e escritores que a ele se entregaram. Por essa razão, relembramos as histórias de amor dos nossos escritores favoritos, imortalizadas em papel.
Com a ajuda do sobrinho Carlos Queiroz, também amigo de Fernando Pessoa, Ofélia recebeu uma fotografia do poeta com a dedicatória popular “Fernando Pessoa em flagrante delitro”.
Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz
A história de amor que unia o poeta Fernando Pessoa a Ofélia Queiroz é, provavelmente, das mais conhecidas na cultura portuguesa. O poeta português tinha 31 anos quando conheceu a jovem de 19, num escritório na Baixa de Lisboa, onde ambos trabalhavam. O primeiro beijo foi dado entre versos de William Shakespeare, relembrando a personagem Ophelia, de Hamlet.
A relação entre ambos durou dois anos, em duas fases separadas: de 1919 a 1920 e, depois, de 1929 a 1930. Das duas vezes, foi Fernando Pessoa quem terminou o namoro, assumindo o seu papel enquanto escritor e admitindo que não podia (ou não queria) casar. Ofélia é considerada, por académicos e especialistas, o grande amor da vida de Pessoa, mesmo que tenha sido uma relação sem um final feliz. Para trás, ficaram as centenas de cartas trocadas entre ambos, os poemas dedicados ao seu “botão de rosa menina”, a sua querida Ofélia, como é possível testemunhar em Cartas de Amor de Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz.
Lanzarote, 2007. Fotografia tirada por Javier Salas
José Saramago e Pilar del Río
“Eu tenho ideias para romances e ela tem ideias para a vida, e eu não sei o que é mais importante.” José Saramago e Pilar del Río começaram a sua história de amor nos anos de 1980, permanecendo juntos até à morte do autor, em 2010. A cumplicidade entre Pilar e Saramago manteve-se até mesmo depois de este partir, refletindo-se no trabalho da jornalista espanhola, enquanto presidente da Fundação José Saramago.
Um amor que virou documentário, em 2010, pelas mãos do realizador Miguel Gonçalves Mendes, e que ficaria perpetuado nas paredes de Lisboa, no mural pintado pelos writers Nark, Ayer, Nomen e Pariz (mesmo depois de demolido, para dar lugar a um parque de estacionamento). Um amor que não saberia ser outra coisa, nas palavras de Saramago: “Se eu tivesse morrido antes de conhecer a Pilar, tinha morrido muito mais velho do que aquilo que sou agora com 86 anos.”
Jorge de Sena e Mécia de Sena em Londres, via Instagram de Dan Sena.
Jorge de Sena e Mécia de Sena
Mécia casou-se com Jorge de Sena ainda em Portugal. Começaram a namorar em 1944 e casaram-se em 1949, quando o autor português era ainda engenheiro civil. Mécia e Jorge partiram para o exílio no Brasil, aquando a ditadura do Estado Novo, e de novo partiram para os Estados Unidos da América, onde acabaram por se fixar em Santa Barbara, no estado de Califórnia. Um casamento que não olhou a fronteiras e que lhes deu nove filhos.
No entanto, o mais fascinante entre ambos era a sua compatibilidade literária. Nas palavras do próprio escritor, Mécia estava “à sua altura”, que via nela uma colaboradora literária. “Sem o [seu] apoio, não teria sido possível realizar talvez metade do que realizou, quer como autor, quer como professor”, garante Rui Silvino de Freitas Lopes, em Mécia de Sena e a escrita epistolar com Jorge de Sena.
Agustina Bessa-Luís e o marido, Alberto de Oliveira Luís, via jornal Expresso.
Agustina Bessa-Luís e Alberto de Oliveira Luís
Estiveram casados 72 anos. Conheceram-se numa espécie de Tinder do antigamente: através de um anúncio do jornal, publicado pela escritora, no qual procurava uma pessoa culta com quem se corresponder. “Jovem instruída procura correspondência com pessoa inteligente e culta", podia ler-se no jornal Primeiro de Janeiro. Agustina Bessa e Alberto Luís casaram-se em 1945, no que poderia ser considerado um casamento pouco convencional. Agustina ia de vestido preto e colar de pérolas e a celebração dispensou familiares.
Alberto permaneceu, desde cedo, na sombra de Agustina, procurando ajudá-la nas tarefas que a autora não gostava de fazer. O trabalho de investigação, como conferir datas ou garantir que certos pormenores constavam nos seus romances, ficava a cargo dele. Nas palavras de Mónica Baldaque, única filha do casal: “Ela tinha um objetivo na vida, que era escrever, e ele tinha o objetivo de a acompanhar. Tudo demais ficava fora.”
Jorge Amado e Zélia Gattai, via jornal Globo
Jorge Amado e Zélia Gattai
“Te darei meu corpo para o afogares.” Assim declarou Jorge Amado a Zélia Gattai, em 1945, numa publicação no jornal brasileiro Folha. Conheceram-se em 1945, no Congresso Brasileiro de Escritores, pouco tempo depois de Jorge Amado ter saído da prisão. Meses depois, casaram, acabando por ter o primeiro filho, João Jorge, dois anos depois.
De forma semelhante a Mécia e Jorge de Sena, também Zélia ajudou o marido no seu trabalho literário, passando a limpo, à máquina, todos os seus originais e ficando responsável pelo processo de revisão. Também o casal brasileiro foi obrigado a exilar-se por motivos políticos, chegando a viver em Paris durante três anos e, de 1950 a 1952, na República Checa, onde nasceu a segunda filha, Paloma. Quando voltaram para o Brasil, viveram durante quarenta anos na Casa do Rio Vermelho, em Salvador, também denominada por uma das netas como “o templo do amor”.