5 curiosidades sobre Albert Camus
Por: Beatriz Sertório a 2020-01-07 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa
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Partilhamos consigo 5 curiosidades sobre o autor que encontrou no absurdo da vida um imperativo para a arte, pois como escrevia Camus: “[s]e o mundo fosse claro, a arte não existiria.”
"Porque sou eu um artista e não um filósofo? É porque penso segundo as palavras e não segundo as ideias."
1. ANTES DA FILOSOFIA, O FUTEBOL
Conta-se que quando questionado sobre se preferia o teatro ou o futebol, Albert Camus respondeu sem hesitação – o futebol. Durante os tempos de universidade na Argélia, jogou como guarda-redes na equipa Racing Universitaire Algerios (RUA) , mas uma tuberculose obrigou-o a desistir aos 17 anos. Ainda assim, foi com este desporto que aprendeu alguns dos ensinamentos mais importantes que guardou para a vida, tendo mesmo afirmado que tudo o que sabia sobre moralidade e as obrigações dos homens, devia-o ao futebol.
Foi depois da doença que o impediu de jogar que se iniciou na filosofia, e também aqui as lições de resiliência que aprendeu nos seus anos como guarda-redes lhe foram úteis. Acerca disso, afirmou: “Aprendi que uma bola nunca vem da direção que estamos à espera. Isso ajudou-me na vida, mais tarde.”
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EQUIPA DE FUTEBOL DE ALBERT CAMUS (NA FILA DA FRENTE, COM BOINA E CACHECOL).
2. O CLÁSSICO DE UM SÉCULO
As frases que iniciam a sua obra-prima são, talvez, duas das mais perturbadoras frases que já iniciaram um livro: “Hoje, a minha mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem”. Mais do que as reflexões da personagem de Mersault acerca da morte da sua mãe, O Estrangeiro é uma exploração das inquietações de Camus acerca do absurdo da vida e do sentido da existência. Publicado em 1942, o livro é sintomático de uma época marcada pela guerra e pela incerteza, sendo talvez por essa razão que o jornal francês Le Monde o colocou em primeiro lugar na sua lista de 100 livros do século.
O seu editor foi o poeta André Malraux , contudo o livro quase não viu a luz do dia devido à escassez de papel que ocorreu em França durante a ocupação pela Alemanha Nazi. Malraux chegou mesmo a pedir a Camus que enviasse papel do seu país Natal, Argélia, de modo a conseguir publicar o livro. Tendo começado por 4.000 cópias, tornar-se- ia um dos livros franceses mais vendidos do mundo. Com 10 milhões de cópias vendidas no século XX, é ultrapassado apenas pelo clássico infanto-juvenil O Principezinho . Por duas vezes, foi adaptado ao cinema – uma pelo realizador italiano Luchino Visconti e outra pelo realizador russo Zeki Demirkubuz .
3. CAMUS, O DON JUAN
Para além da literatura, do futebol e da filosofia, a outra obsessão de Albert Camus era com o sexo oposto. Embora tenha casado (duas vezes) e tido dois filhos com a sua segunda mulher, a matemática e pianista Francine Faure , Camus era conhecido por ter várias relações extraconjugais. O seu primeiro casamento durou apenas dois anos e o segundo, embora tenha sido mais longo, terminou com a sua mulher a ter um esgotamento nervoso devido à natureza libertária de Camus. Este episódio serviu de inspiração para o livro A Queda (1956), escrito como uma confissão de um reputado advogado parisiense que entra em crise após ter falhado em salvar uma mulher de se afogar. Alegadamente, a inspiração para a mulher afogada, Francine, disse a Camus que ele lhe devia esse livro, depois de anos a criar os seus dois filhos e a tolerar os seus inúmeros casos, algo com que Camus parece ter concordado.
Um dos seus casos mais célebres foi com a atriz espanhola, internacionalmente famosa, Maria Casares , com quem manteve uma relação 13 anos. Durante esse tempo, trocaram mais de 860 cartas apaixonadas, que foram publicadas pela editora francesa Gallimard , em 2018, num volume com 1.297 páginas.
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ALBERT CAMUS E A ATRIZ MARIA CASARES.
4. A RIVALIDADE COM SARTRE
Sendo duas das maiores figuras da literatura e da filosofia francesa do século XX, é natural que os caminhos de Albert Camus e Jean-Paul Sartre se tenham cruzado. Embora só se tenham tornado próximos depois da Segunda Guerra Mundial, os dois partilhavam, desde o início, várias semelhanças que levavam a uma comparação incessante entre ambos. Para além de serem os dois romancistas, ensaístas e filósofos, publicavam com a mesma editora e foram ambos reconhecidos com o Prémio Nobel da Literatura (Albert Camus em 1957 e Sartre em 1964). Embora Sartre o tenha rejeitado, sentiu-se na obrigação de justificar que a razão que o levou a fazê-lo não se prendeu com o facto de o seu adversário , Camus, o ter recebido antes de si.
As suas diferenças começam, desde logo, no contexto social em que cada um cresceu: Camus cresceu na pobreza nos bairros operários da Argélia, enquanto Sartre pertencia à alta sociedade francesa. Para além disso, diz-se que Sartre se ressentia pela aparência charmosa de Camus, que atraía muita atenção feminina. A um nível mais intelectual, o debate Camus-Sartre prendia-se com as opiniões, frequentemente opostas, que cada um deles partilhava nos jornais que dirigiam (o Combat , de Camus, e o Les Temps Modernes , de Sartre). Embora Camus fosse 7 anos mais novo, morreu 20 anos antes de Sartre.
5. UMA MORTE IDIOTA
Dias antes de falecer num acidente de automóvel, a 4 de janeiro de 1960, Albert Camus pronunciou-se acerca da morte do ciclista italiano Fausto Coppi dizendo: “ Morrer num automóvel é uma morte idiota “. O autor viajava no lugar do passageiro com o seu editor, Michel Gallimard , quando este se despistou e conduziu o carro contra uma árvore, na cidade francesa de Villeblevin. Embora tenha sido considerado um acidente, existem teorias de que o despiste tenha sido engendrado por espiões soviéticos, devido a um artigo que Camus escreveu sobre o Ministro de Negócios Estrangeiros soviético da altura, Dmitri Shepilov .
Inicialmente, era intenção de Camus ter viajado de comboio com a sua mulher e filhos mas, à última hora, aceitou o convite do seu editor (que morreu cinco dias depois, devido ao acidente) para fazer a viagem de carro. Camus tinha apenas 46 anos e, no seu bolso, quando morreu, estava o bilhete de comboio que nunca chegou a ser utilizado. Para além disso, a polícia encontrou o manuscrito inacabado do livro O Primeiro Homem , sobre a sua infância na Argélia, que foi publicado em português pela editora Livros do Brasil , em 2018. Camus acreditava que esta seria a sua melhor obra.