Oito obras imperdíveis para celebrar o Dia Mundial da Poesia
Por: Bertrand Livreiros a 2023-03-21
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“Ao longo da muralha que habitamos/ há palavras de vida há palavras de morte/ há palavras imensas, que esperam por nós/ e outras, frágeis, que deixaram de esperar/ há palavras acesas como barcos/ e há palavras homens, palavras que guardam/ o seu segredo e a sua posição […] Entre nós e as palavras, os emparedados/ e entre nós e as palavras, o nosso dever falar”.
Nestes célebres versos de Mário Cesariny reside a noção da importância das palavras nas vidas comuns, mas também da força que as mesmas podem ganhar, através da sua leitura. São, afinal, vindouras de uma voz poética singular. A poesia está no centro dessa equação que serve como elo de ligação entre universos, entre pessoas, entre formas de ver e dar a ver mundo. A propósito do Dia Mundial da Poesia, que se celebra esta terça-feira, dia 21 de março, partilhamos uma seleção de livros, dos mais diversos autores nacionais e estrangeiros, que se destacam neste importante género literário.
Pena Capital, de Mário Cesariny
É um dos mais emblemáticos livros do poeta e pintor português, Mário Cesariny. Publicado originalmente em 1957, a obra reúne, a par de Manual de Prestidigitação ou Nobilíssima Visão, alguns dos seus mais conhecidos poemas, como You are welcome to Elsinore (citado no início deste artigo) e os dois momentos de Autografia. Uma explosão de criatividade, que se pode testemunhar neste conjunto de poemas caudalosos, mas também poemas curtos, alguns semelhantes a peças de teatro, longos textos em prosa e quadras populares, exemplos maiores do surrealismo português.
Diários do Exílio, de Yannis Ritsos
Escritos entre o final da década de 1940 e o princípio da década seguinte, reúnem-se neste livro um conjunto de poemas curtos, escritos durante o tempo em que o poeta grego passou por dois campos de reeducação. Sobre aquele que foi considerado por Pablo Neruda como o mais merecedor do Prémio Nobel de Literatura, importa dizer que como homem de esquerda, comunista militante, a sua poesia foi proibida, sendo que a estadia nestes campos aconteceu na sequência da Guerra Civil grega. Estes versos proporcionam, por isso, uma perspetiva privilegiada e única: a da figura pública do poeta que se desvanece através da escrita íntima, em que a poesia se transformou num pequeno ato de resistência diária à angústia do exílio.
O Olhar Diagonal das Coisas, de Ana Luísa Amaral
Nesta importante obra, reúnem-se os dezassete livros de poesia de Ana Luísa Amaral, trinta anos em verso inaugurados por Minha Senhora de Quê (1990), até ao mais recente Mundo (2021). São poemas de precisão, escritos por uma das vozes femininas mais destacadas da poesia portuguesa, mas também de questionamento e de receitas para várias crises. A obra é a súmula completa de uma vida dedicada aos versos da poetisa falecida em 2022 e que, ainda antes de falecer, foi distinguida com o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana.
Os Poemas, de Paul Celan
Através deste impressionante volume, reúnem-se, pela primeira vez em Portugal, todos os livros publicados em vida pelo poeta, tradutor e ensaísta romeno radicado na França. O livro inclui para além das obras conhecidos, o conjunto de mais de uma centena de poemas não incluídos e dispersos do seu espólio e, ainda, um ciclo fragmentário que o poeta não teve a oportunidade de terminar. Fruto de pesquisas e sucessivas traduções ao longo de 50 anos, a tradutora Maria Teresa Dias Furtado dá-nos finalmente a oportunidade de ler Paul Celan na íntegra.
Amor Cão e outras palavras que não adestram, de Rosa Alice Branco
Domesticar o lobo ou domar a escrita. Amor Cão e outras palavras que não adestram é um dos mais recentes livros de poemas da portuguesa Rosa Alice Branco. Num diálogo pessoalíssimo com a obra de Konrad Lorenz, o zoólogo austríaco que dedicou parte da sua vida ao estudo do comportamento animal, estes versos questionam e desequilibram dominações antigas: o criador sobre a criação, o humano sobre o animal, o homem sobre a mulher. É o gesto de uma escrita que convoca a ideia da domesticação, bem como as suas possibilidades, os seus riscos e por vezes a sua ausência.
Antologia Poética, de Natália Correia
Esta antologia destina-se sobretudo à divulgação daquilo que de mais cimeiro e célebre surgiu na obra poética da poetisa portuguesa, cujo centenário se celebra este ano. O critério posto em jogo para selecionar os poemas pretendeu obedecer a um equilíbrio (naturalmente sempre instável) entre o gosto pessoal do organizador e a representatividade dos diversos períodos da sua escrita. Este é, sem dúvida, um livro que poderá facultar aos leitores do século XXI uma visão de conjunto da grande escritora e personalidade que foi Natália Correia, uma das vozes mais singulares da poesia portuguesa do século XX.
Os Cães Ladram Facas, de Charles Bukowski
A antologia poética de Charles Bukowski que faltava em português e que recupera a violência graciosa que apenas a poesia consegue concretizar. Reunida a partir das várias dezenas de livros de poesia daquele que é considerado o poeta americano mais influente e imitado das últimas décadas, esta antologia poética de Charles Bukowski foi selecionada, organizada e prefaciada pelo escritor Valério Romão. Em boa hora recupera o legado poético de Charles Bukowski, que além de implacável, visceral e transgressor, é, antes de mais, um incontornável da língua inglesa.
Canina, de Andreia C. Faria
É uma das vozes mais destacadas da poesia contemporânea portuguesa. Neste seu novo livro, a poeta vencedora do Prémio Autores SPA de 2018 e do Prémio Literário Fundação Inês de Castro 2019, convoca os mais diversos bichos (cavalos, gatos, pavões), sem que se confunda com qualquer cântico das criaturas, em forma de versos. Surge assim uma poesia inesperada, onde o universo animal volta a ser dominante, num tempo de questionamento sobre as relações interpessoais, sendo que o seu título pressupõe um modo de ação e de estar na vida, onde há espaço para o ataque, para a obediência, mas também para a lealdade.