Edna O'Brien (1930-2024): três curiosidades e três obras essenciais
Por: Beatriz Sertório a 2024-08-05
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“A mulher mais talentosa a escrever atualmente em Inglês.” Assim a descreveu em tempos Philip Roth. Romancista, dramaturga, poeta e autora de livros infantis, entre outros géneros, Edna O´Brien deixou-nos no passado dia 27 de julho aos 93 anos, vítima de doença prolongada. Para trás, deixa um legado literário disruptivo, corajoso e nem sempre compreendido, tendo sido uma das primeiras escritoras a dar voz às experiências das mulheres na Irlanda. Fique a conhecer melhor esta autora e mulher singular em três curiosidades e três livros.
A vida de Edna O’Brien em três curiosidades
1. Teve uma infância marcada pela pobreza e a repressão da Igreja.
Uma infância difícil é um traço comum a vários escritores de sucesso, daí a autora irlandesa ter afirmado que “os lares infelizes são ótimas incubadoras de histórias.” Josephine Edna O'Brien, nascida em 1930 na pequena aldeia irlandesa de Tuamgraney, foi a filha mais nova de um agricultor e de uma doméstica, ambos pobres, religiosos e extremamente rigorosos. Mais tarde, entre 1941 e 1946, foi educada num instituto religioso para mulheres chamado Irmãs da Misericórdia, o que contribuiu para uma infância ainda mais "sufocante". Numa entrevista ao The Guardian, a autora recorda: "Rebelei-me contra a religião coerciva e sufocante em que nasci e fui criada. Era muito assustadora e omnipresente.” Por essa razão, a crítica à religião acabaria por ser um tema frequente nas suas obras.
2. Os seus livros foram banidos e queimados.
Ao mudar-se para Londres, onde viveu até ao fim dos seus dias, O’Brien começou a trabalhar para uma editora que lhe deu a oportunidade de escrever o seu primeiro romance. Raparigas da Província, publicado em 1960, foi o primeiro volume de uma trilogia, que provocou um tumulto na sociedade irlandesa do pós-Segunda Guerra Mundial. Passado no início dos anos sessenta numa vila rural da Irlanda, relata a história de duas jovens na transição para a vida adulta, que querem abrir asas para o mundo, descobrir o amor, o luxo e o álcool. A temática sexual durante um período especialmente repressivo da História da Irlanda, levou a que estes livros fossem proibidos pouco depois da sua publicação e, nalguns casos, queimados. A própria autora foi acusada de "corromper as mentes das jovens mulheres" e mais tarde, afirmou: "Não senti a fama. Eu era casada. Tinha filhos pequenos. Tudo o que ouvia da Irlanda, da parte da minha mãe e de cartas anónimas, era bílis, ódio e indignação".
3. Foi reconhecida com o mesmo título atribuído a Samuel Beckett
Embora tenha levado tempo até obter o merecido reconhecimento, Edna O’Brien tornou-se uma das mais importantes e admiradas escritoras de língua inglesa, e vencedora de inúmeros prémios literários, entre os quais se contam The Irish PEN Lifetime Achievement Award for Literature, The American National Art's Gold Medal, Ulysses Medal e PEN/Nabokov Award for Achievement in Literature. Para além do enorme elogio de Philip Roth que a reconhecia como uma das mais brilhantes escritoras da sua geração, era publicamente admirada por outros grandes autores, como John Banville e Michael Ondaatje, e foi eleita para a Aosdána, uma reputada academia de artistas irlandeses. Em 2015, foi reconhecida com o título de Saoi, a distinção máximo da Aosdána, previamente atribuída a Samuel Beckett. Até hoje, apenas duas mulheres escritoras a receberam.
A obra de Edna O’Brien em três livros
1. Na Floresta
Publicado em 2002, Na Floresta teve como inspiração um triplo homicídio que chocou a Irlanda nos anos 90: o de Imelda Riney, do seu filho Liam e do padre católico Joe Walsh, por Brendan O'Donnell. No romance de O’Brien, o protagonista é Mich O'Kane, também conhecido como o Kinderschreck, um órfão violento e perturbado, tratado por todos como um bicho-papão; até que, certo dia, uma jovem mãe e o seu filho de quatro anos desaparecem na floresta… Descrito pela crítica como um dos seus romances mais ambiciosos e expressivos, Na Floresta arrasta o leitor para o interior da mente psicótica de um assassino, compondo um retrato chocante e compassivo da solidão, do desespero e da violência.
2. Pequenas Cadeiras Vermelhas
Aos 85 anos, contando já com uma obra vasta, O’Brien escreveu aquela que o autor norte-americano Philip Roth viria a declarar como a sua obra-prima. Pequenas Cadeiras Vermelhas acompanha Vlad Dragan, um enigmático estrangeiro oriundo dos Balcãs, que se assume como poeta e curandeiro, capaz de tratar doenças e problemas sexuais. Inspirado pelas ações do criminoso de guerra sérvio-bósnio Radovan Karadžic, é um livro acerca da natureza do mal e do fascínio do homem pela crueldade, que reflete ao mesmo tempo sobre a redenção e a inevitável procura do amor.
3. Menina
O último romance de Edna O´Brien, publicado em 2019, foi escrito depois de a autora ter lido uma notícia sobre uma rapariga raptada pela seita jihadista Boko Haram. Movida pela sua história, viajou duas vezes para a Nigéria para fazer investigação e tentou, nas suas palavras, criar uma "espécie de história mítica a partir de toda esta dor e horror". O resultado foi Menina, um romance perturbador que conta a história de Maryam, raptada na escola e feita escrava pelo Boko Haram. Uma obra-prima no dizer da crítica que desafia as convenções da ficção e continua a explorar os temas de eleição de O’Brien: a violência de género e a misoginia perpetuadas em nome das convenções sociais e da religião.