Duas ou três ideias sobre... “Mundo Material”
Por: Beatriz Sertório a 2024-12-23
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Alguma vez se perguntou de onde vêm os materiais que compõem o seu smartphone? Ou a origem do ouro da sua aliança e o custo ambiental da sua extração? Em Mundo Material, Ed Conway revela as respostas que talvez preferisse não ouvir, mas que são essenciais para compreendermos o impacto das nossas escolhas no planeta.
Na sociedade atual, é surpreendentemente fácil adquirir objetos sem refletir sobre a sua origem ou o processo necessário para produzi-los. Uma simples encomenda online, alguns dias de espera, e o artigo chega às nossas mãos, sem que nos questionemos sobre os recursos, o trabalho e os danos ambientais que tornaram a sua existência possível. Foi esta desconexão que motivou Ed Conway, editor de economia da Sky News e colunista do Times de Londres, a embarcar numa investigação profunda sobre os materiais que sustentam o nosso mundo moderno.
O resultado foi Mundo Material, uma história substancial do nosso passado, presente e futuro, sobre os recursos que moldam a nossa civilização. Desde as profundezas da mina mais profunda da Europa às fábricas de chips de silício em Taiwan, passando pelas misteriosas lagoas verdes onde se extrai lítio, Conway leva o leitor numa viagem épica pelo mundo oculto da extração de seis materiais essenciais — areia, sal, ferro, cobre, petróleo e lítio — e o papel vital que desempenharam e continuam a desempenhar na História da Humanidade. Fique com duas ou três ideias que pode encontrar neste livro.
Podem ser necessárias entre 4 e 20 toneladas de rocha para fabricar uma única aliança de casamento.
Foi numa visita à mina de Cortez, nos EUA, que Ed Conway começou a interessar-se pelo mundo oculto dos materiais que sustentam a vida moderna. Ao ver a destruição causada pela extração de ouro, deteve-se num pequeno objeto que usa diariamente no dedo anelar da sua mão direita: a sua aliança. Ao questionar o guia que o acompanhou na visita, percebeu que para fabricar uma única aliança de casamento — um objeto essencialmente simbólico e sem utilidade prática — pode ser necessário extrair entre 4 a 20 toneladas de rocha do solo. Ainda mais impressionante é a quantidade de terra necessária para produzir um lingote de ouro: cerca de cinco mil toneladas, o equivalente ao peso de dez aviões A380 completamente carregados, os maiores aviões de passageiros do mundo. Tudo isso para obter um material que o economista John Maynard Keynes descreveu como uma “relíquia bárbara” — valioso culturalmente, mas dispensável na prática.
A internet é feita de vidro.
Pode nunca ter pensado nisso, afinal, enquanto caminhamos pelo mundo com dispositivos sem fios ligados a redes locais ou móveis, é fácil acreditar que desmaterializámos a era da informação. Contudo, nada disso seria possível sem um elemento profundamente físico. Com exceção dos últimos metros — entre o nosso dispositivo e o router ou entre a nossa casa e a central local —, cada quilómetro percorrido pela informação na internet acontece sob a forma de feixes de luz a viajar por filamentos de vidro. Uma fibra ótica é, essencialmente, dois cabos de vidro, um dentro do outro: o núcleo interno, que transporta a informação, e a camada externa, que mantém a luz a refletir e a refratar dentro da fibra, permitindo que continue o seu percurso sem escapar. Quando, na década de 1960, o físico Charles Kao percebeu que a luz podia ser transmitida por longas distâncias através destas fibras, a sua descoberta revolucionou o mundo das comunicações, lembrando-nos que o mundo físico continua a ser o sustentáculo de tudo. Afinal, sem betão, cobre e fibra ótica, não haveria centros de dados, nem eletricidade, nem internet.
Ao contrário do que se pensa, não estamos a abrandar o nosso consumo de matérias-primas.
Embora a ideia frequentemente propagada de que os humanos se desabituaram dos materiais físicos seja tentadora — especialmente num mundo a braços com a crise climática —, ela esconde uma realidade bem diferente. Na verdade, o que estamos a testemunhar é uma mudança de paradigma. Embora o consumo de materiais tenha diminuído em países pós-industriais como os EUA e o Reino Unido, o cenário é bem diferente nas regiões de onde essas nações importam a maior parte das suas mercadorias, onde o consumo de recursos está a crescer de forma vertiginosa. Num único ano, em 2019 (o último ano com dados disponíveis à data da escrita de Mundo Material), a humanidade extraiu, minerou e detonou mais materiais da crosta terrestre do que em toda a história da humanidade até 1950. Igualmente trágico e irónico é o facto de a transição para um futuro mais sustentável exigir, a curto e médio prazo, volumes ainda maiores de materiais para produzir os automóveis elétricos, as turbinas eólicas e os painéis solares necessários para a substituição dos combustíveis fósseis. Longe de abrandar, o nosso apetite por matérias-primas está em plena expansão.