Duas ou três ideias sobre “Eva” – uma teoria feminina da evolução humana

Por: Beatriz Sertório a 2024-10-24

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Eva
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O encontro próximo com a morte que inspirou o novo livro de Afonso Cruz

Um livro que nasce de um beco. Assim descreve Afonso Cruz o seu mais recente livro, O que a chama iluminou (Companhia das letras). Por um lado, o beco em que se viu encurralado por dois blindados conduzidos por carabineiros em Santiago do Chile, em 2019. Por outro, o quase “beco sem saída” em que se encontrou quando um jipe em contramão embateu no carro onde seguia em Punta Arenas, nesse mesmo ano. Dessa viagem atribulada (e potencialmente fatal) ao Chile, resultou uma reflexão sobre o fim das coisas, que se materializou primeiro num espetáculo e agora em livro.

Os livros da vida de Pedro Mexia, Tati Bernardi e mais

É uma curiosidade natural de qualquer leitor: o que lêem os escritores que admiramos? A resposta pode estar num novo livro, recém-chegado às livrarias. O que lêem os escritores?  parte de  um desafio colocado a vários autores do catálogo da editora Tinta da China para escreverem um texto original sobre um ou mais livros que os marcaram — aquele a que voltam várias vezes, aquele que os fez descobrir a leitura, aquele que os acompanhou numa viagem ou que simplesmente nunca lhes saiu da cabeça … O resultado é uma verdadeira ode à leitura e às histórias que nos formam, reunindo textos de autores como Dulce Maria Cardoso, Gregório Duvivier, Rui Cardoso Martins ou Rui Tavares.

Amigas inseparáveis

Um acaso, e o sopro do vento, numa noite de verão, fez com que Mayumi Inaba encontrasse Mi, uma pequena gata recém-nascida abandonada. Um encontro inesperado que as juntou até a morte as separar, vinte anos mais tarde. O livro é o relato dessas duas décadas e faz-nos não só mergulhar na vida indissociável de ambas, mas também nos locais descritos, de forma muito realista. 

Quando pensamos na História da evolução humana, no Homo habilis que evoluiu para o Homo erectus, que, por sua vez, deu lugar ao Homo neanderthalensis, e, por fim, ao Homo sapiens, pensamos habitualmente em homens. Nos homens que inventaram armas e utensílios para facilitar o seu dia-a-dia, nos homens que descobriram o fogo e desenvolveram a agricultura. Mas onde ficam as mulheres nessa História? É essa a pergunta que a investigadora Cat Bohannon explora no livro Eva – Como o Corpo Feminino Determinou 200 Milhões de Anos de Evolução (Objectiva), que acaba de chegar às livrarias.

Mais do que preencher uma lacuna na História da Humanidade, esta investigação que levou cerca de dez anos para ser concluída propõe-se a reescrevê-la por completo. Argumentando que foi o corpo feminino a força motriz por trás da evolução da nossa espécie, Bohannon identifica as várias figuras ancestrais femininas, às quais chama de "Evas", que, através de adaptações corporais, moldaram a biologia e a psicologia do Homo sapiens. Fique a conhecer três argumentos apresentados neste livro pioneiro que sustentam a ideia de que o corpo feminino, historicamente subestimado e negligenciado, desempenhou, afinal, um papel fundamental no percurso evolutivo da nossa espécie.


O leite materno adapta-se às necessidades do bebé

Responsáveis por carregar nos seus ventres os futuros membros da espécie, as mulheres desenvolveram uma série de adaptações corporais que influenciaram diretamente a sobrevivência e o desenvolvimento dos seres humanos. Uma dessas inovações é o leite materno, que tem inúmeros benefícios para o desenvolvimento dos bebés. Na impossibilidade de identificar o ancestral feminino humano que primeiro desenvolveu essa capacidade adaptativa, Bohannon volta-se para Morganucodon ou, simplesmente, Morgi, um mamífero do tamanho de um rato que viveu há cerca 200 milhões de anos e que secretava um muco especial para nutrir os seus ovos. Essencialmente, o primeiro leite materno.

Ao longo de milhões de anos, esse líquido evoluiu até se transformar no leite materno tal como o conhecemos hoje, atendendo assim a duas necessidades fundamentais dos bebés humanos: a hidratação e a prevenção de doenças. Mas, ao contrário do que se pensou durante muito tempo, a amamentação não é uma via de sentido único. Quando os bebés mamam, a saliva é devolvida aos mamilos da mãe, informando os canais de leite acerca das necessidades específicas do bebé e permitindo assim que o leite se ajuste para as satisfazer. Este diálogo contínuo entre mãe e bebé cumpre ainda um papel crucial no fortalecimento do vínculo social e na promoção da regulação emocional dos bebés, essencial para o desenvolvimento de adultos física e mentalmente saudáveis.


Uma das invenções mais importantes da nossa História foi criada por e para mulheres

Já parou para pensar como é que os seres humanos conseguiram espalhar-se pelo mundo e tornar-se a espécie dominante? Afinal de contas, não somos os mais rápidos nem os mais fortes, reproduzimo-nos muito lentamente e os nossos filhos dependem de nós durante muito tempo. Cat Bohannon sugere que a resposta pode estar relacionada com uma invenção desenvolvida por e para as mulheres: a ginecologia. 

Segundo a autora, é provável que o Homo habilis tenha sido o primeiro dos nossos antepassados a aperceber-se de que, ao contrário de outros mamíferos, precisava de ajuda para dar à luz. Onde a biologia falhou, a inovação feminina entrou em ação. As fêmeas da espécie Habilis formaram redes unidas destinadas à partilha de conhecimentos e ao auxílio mútuo durante a gravidez e o parto, o que fez com que as taxas de sobrevivência de mães e bebés aumentassem. Para além disso, o aumento gradual de conhecimentos sobre fertilidade e obstetrícia permitiu também um maior controlo das mulheres sobre o seu próprio destino, possibilitando assim uma participação mais ativa das mesmas na vida social e económica das suas comunidades. Gradualmente, esta rede de conhecimento e entreajuda evoluiu para aquilo que designamos hoje como ginecologia, uma prática essencial para a sobrevivência e prosperidade das gerações futuras, minimizando ao máximo o risco associado à gravidez para as mães.


A menopausa pode ter surgido por uma necessidade evolutiva

Frequentemente vista como um sinal de declínio na saúde feminina, Cat Bohannon contra-argumenta que a menopausa pode ter surgido por uma necessidade evolutiva que beneficia não apenas as mulheres, mas também as suas famílias e comunidades. Algumas teorias sugerem que a presença das mães e avós pode aumentar a sobrevivência de seus descendentes. Além disso, a cessação da reprodução nas fêmeas mais velhas permite que elas evitem uma competição desgastante com as suas filhas e outras fêmeas da mesma linhagem por recursos limitados, como alimento e espaço.

Esta dinâmica sugere que, ao interromper a capacidade reprodutiva, as mulheres mais velhas podem concentrar-se em cuidar e apoiar as gerações mais jovens, o que aumenta as chances de sobrevivência dos seus netos e fortalece a estrutura social da comunidade. Assim, a menopausa pode ser vista como uma adaptação evolutiva que não só preserva a energia e a saúde das mulheres mais velhas, mas também contribui para a continuidade da espécie por meio de uma rede de apoio intergeracional mais robusta. Assim sendo, a menopausa não é apenas um sinal de envelhecimento, mas uma parte vital de uma rede intergeracional que promove a continuidade da espécie.

 

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