Duas ou três ideias sobre…. “Determinado”
Por: Beatriz Sertório a 2024-09-24
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Quando Robert M. Sapolsky publicou Comportamento em 2018, sobre a forma como a biologia influencia o comportamento humano, acreditava que qualquer pessoa que o lesse chegaria à mesma conclusão natural: o livre-arbítrio não existe. Estava errado. A verdade é que a nossa sobrevivência enquanto espécie consciente da sua própria mortalidade depende, em grande parte, da nossa capacidade para nos iludirmos; o que inclui, na sua opinião, a crença no livre-arbítrio.
Insatisfeito com os testemunhos que recebeu de leitores após a publicação deste livro, o renomado professor de biologia, neurologia, ciências neurológicas e neurocirurgia dedicou então os cinco anos seguintes a escrever Determinado - Uma ciência da vida sem livre-arbítrio — uma obra pioneira, bestseller instantâneo do NY Times, que chega agora às livrarias portuguesas. Fique a conhecê-la em duas ou três ideias.
Intenção não é sinónimo de livre-arbítrio
Um dos principais contra-argumentos usados para descredibilizar a teoria de Sapolsky de que não existe livre-arbítrio tem a ver com a intenção. Afinal, os humanos são seres racionais que tomam decisões de forma consciente e agem consoante as suas intenções. No entanto, em Determinado, o neurocientista propõe uma perspetiva diferente. Antes de pensar que escolheu X em vez de Y de forma livre e arbitrária, pense primeiro: O que o levou a tornar-se no tipo de pessoa que escolhe X em vez de Y?
Segundo o autor, a nossa intenção pode ser influenciada por diversos fatores, desde a nossa própria genética a influências externas, tais como a cultura. Isto significa que embora escolhamos X em vez de Y, essa escolha está já predeterminada por algo totalmente fora do nosso controlo, impossibilitando assim a existência do livre-arbítrio.
Os veredictos dos juízes em tribunal têm tendência para ser mais brandos depois de almoço
Parece inusitado, mas existem estudos que o comprovam. Afinal, não precisamos de recuar até ao tempo dos nossos antepassados ou mesmo à nossa infância para observarmos a forma como a biologia molda os nossos comportamentos. Fatores biológicos imediatos, aquilo a que chamaríamos de meras sensações, podem ser igualmente determinantes. Um exemplo notório disso mesmo é o estudo que ficou conhecido como "o efeito do juiz esfomeado", que demonstrou a forma como a fome de um juiz pode impactar a suas decisões judiciais. Segundo este estudo, quantas mais horas tiverem passado desde a sua última refeição, menos indulgente ele tende a ser nas suas sentenças, demonstrado assim como até pequenas variações biológicas, como os níveis de glicose no sangue, podem afetar a nossa tomada de decisões.
A inexistência de livre-arbítrio pode ser algo positivo
Embora para muitas pessoas a ideia da ausência de livre-arbítrio possa parecer alarmante e até algo deprimente, Sapolsky contra-argumenta que, historicamente, a compreensão progressiva da forma como a biologia influencia inúmeros aspetos da nossa vida tem sido uma coisa positiva. Por exemplo, sabemos hoje que a epilepsia não é um sinal de possessão demoníaca, que o autismo não é causado por mães negligentes, ou que a dislexia não é mera preguiça ou falta de motivação. Ao descobrirmos que estas condições têm fundamentos biológicos e, por isso fora do controlo de quem as porta, o mundo não acabou; pelo contrário, tornou-se mais humano e compreensivo. E o mesmo pode acontecer quando reconhecermos que o livre arbítrio não passa de uma ilusão construída pelo Homem, num mundo em que pouco está ao nosso alcance controlar.