A força da palavra: sete livros que inspiraram revoluções
Por: Marta Ribeiro a 2024-05-02
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As palavras são transformadoras. Quando se organiza uma frase de uma determinada forma — o sujeito certo, o predicado pensado com todos os complementos necessários —, o resultado pode sair das páginas, derrubar regimes, criar pensamentos e mudar o curso de décadas. Estes sete livros são exemplos disso: as frases, coladas umas às outras, foram motores de mudança do sistema vigente. As Três Marias, Steinbeck, Adam Smith, Karl Marx, Lung Ying-tai, Simone de Beauvoir e Rachel Carson souberam ser provocadores e originais na medida certa e o resultado foi visível: revolucionaram o seu tempo e o que se seguiu. As teses que deixaram continuam a ser estudadas e debatidas.
Novas Cartas Portuguesas, de Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta
As palavras escritas em Novas Cartas Portuguesas desafiaram os poderes instituídos e tornaram-se num símbolo da literatura feminista em Portugal. O livro foi publicado em 1972 e imediatamente proibido pela Censura. As autoras — Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa — descrevem-no como “uma coisa” inclassificável: não é manifesto, não é romance nem ensaio, é um retalho de vários géneros literários que se unem numa obra única. A obra teve um papel central na queda da ditadura por ter exposto ao mundo um leque de situações discriminatórias em Portugal relacionadas com a repressão ideológica, o patriarcado e a condição da mulher. Além disso, destapou a realidade da Guerra Colonial — as injustiças, a violência e a vida dos colonialistas em África e dos “retornados” em Portugal. Os textos foram considerados “imorais” e "pornográficos”.
As Vinhas da Ira, de John Steinbeck
Quando foi publicado, em 1939, provocou um generalizado sentimento de fúria. Um ano depois, ganhou um Pulitzer. Na década de 30, um desastre ecológico agravou os efeitos da Grande Depressão nos Estados Unidos. Tempestades de poeira varreram terrenos no Texas e no Oklahoma e cerca de meio milhão de americanos ficaram sem casa. Grande parte partiu para a Califórnia à procura de trabalho. As Vinhas da Ira é um retrato cru desta época. A descrição da vida dos trabalhadores migrantes influenciou cada vez mais pessoas a defender a intervenção do Governo na proteção daqueles que procuravam uma vida melhor. Mais tarde, o Congresso aprovou uma lei que os protegia. O livro tornou-se num marco na literatura mundial que traça um confronto clássico entre poderosos e submissos. A injustiça e a força para continuar apesar dela são o ponto central da obra-prima de John Steinbeck.
A Riqueza das Nações, de Adam Smith
Adam Smith é considerado o pai da economia moderna e um dos mais importantes teóricos do liberalismo económico. A obra refl ete sobre o início da Revolução Industrial: a divisão do trabalho, produtividade e o mercado livre. Foi publicado em 1776, mas o seu conteúdo continua a ser amplamente discutido e aplicado em áreas desde a política até à matemática. A tese exposta n’A Riqueza das Nações é sustentada em considerações históricas e material empírico. Adam Smith concluiu que o enriquecimento de uma nação só pode acontecer se cada indivíduo procurar o seu próprio desenvolvimento e crescimento económico. A obra está dividida em cinco livros e cada um trata um tema: o primeiro, as questões do trabalho; o segundo, discute a acumulação do capital; no terceiro, o autor reflete sobre o desenvolvimento económico; no quarto, faz uma crítica às escolas de pensamento vigentes e, por último, no quinto, debruça-se sobre a receita pública e a responsabilidade do Estado. Os críticos acusam a obra de ser individualista e ignorar vários fatores possivelmente determinantes para o enriquecimento de um país.
O Capital, de Karl Marx
Karl Marx é um dos grandes críticos de Adam Smith. O Capital é considerada uma das obras fundadoras do pensamento marxista, na qual são definidos termos como “classe”, “trabalho”, “meios de produção” e “mais-valias”, basilares para essa ideologia. É um livro denso e dividido em várias partes — apenas a primeira foi publicada durante a vida de Marx, em 1867, e reflete sobre o processo de produção de capital. A par com O Manifesto Comunista, publicado anos antes, as ideias e conceitos expostos em O Capital inspiraram e alimentaram mudanças de regime e rebeliões durante décadas: desde a Revolução de Outubro, na Rússia, em 1917, à Revolução Chinesa, em 1949, até à Revolução Cubana, em 1959. Até hoje, as ideias de Marx continuam a ser estudadas e perduram na academia, na política e nos movimentos sociais.
The Wild Fire, de Lung Ying-Tai
É um dos livros que pode ter desencadeado o processo de democratização de Taiwan, criticando o regime autoritário do KMT (partido que esteve mais de 40 anos no poder) que vigorava no pós-guerra. The Wild Fire foi publicado em 1985 e foi uma das primeiras críticas da autora à lei marcial instaurada nessa altura. Desde então, escreveu vários textos e livros de comentário sociopolítico, no qual critica as restrições de Taiwan à liberdade de imprensa e outras liberdades civis.
O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir
Esta obra foi rastilho para o que viria a ser a segunda vaga do feminismo. Cimentou as bases, trouxe novas questões sobre a condição feminina — os desequilíbrios de poder entre homens e mulheres, a posição de “outro” que a mulher ocupa no mundo e o corpo da mulher, central para a vaga de feminismo que se viria a popularizar na década de 60. Simone de Beauvoir é absolutamente original e inovadora nas reflexões que faz em 1949, traz para cima da mesa reflexões e conceitos para os quais nem sequer havia nome, cria um pensamento que, até hoje, se interpreta e discute. Antecipou, ao fazer do corpo um tema central da sua obra, um dos motes da segunda vaga do feminismo: “o pessoal é político”. Isto significa que todos os temas podem ser debatidos publicamente, mesmo que sejam considerados privados: a sexualidade da mulher, o papel como dona de casa e a restrição à esfera privada. É por esta altura que é introduzida a pílula anticoncecional que mudou o papel feminino na sociedade.
Primavera Silenciosa, de Rachel Carson
“Estamos, neste momento, no ponto onde duas estradas divergem. […] A que vimos percorrendo há muito é enganadoramente fácil, uma imensa auto estrada lisa, onde avançamos a grande velocidade, mas em cujo fi nal está o desastre. O outro braço da bifurcação da estrada — a 'menos percorrida' — oferece-nos a última, a única hipótese de chegarmos a um destino que garanta a preservação da nossa Terra.” Estas palavras foram publicadas em 1962 e marcam o crescimento da consciência ambiental. Numa investigação pioneira, Rachel Carson mostrou os malefícios do DDT e de outros pesticidas agrícolas, que a sua massifi cação era nefasta para a fauna e flora e que vários tipos de cancro podiam advir da longa exposição a estes químicos. John F. Kennedy desencadeou inquéritos para verifi car a tese de Carson e daí surgiram novas leis reguladoras do uso destes produtos.