Augusto Cury | “Estamos a adoecer coletivamente”
Por: Cecília Ferreira a 2022-12-19
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“Uma em cada duas pessoas tem ou vai desenvolver um transtorno psiquiátrico ao longo da vida”
É psiquiatra, psicoterapeuta, cientista e escritor. Desenvolveu o conceito de inteligência multifocal, uma perspetiva inovadora do funcionamento da mente e da construção do pensamento. É investigador na área de qualidade de vida e de desenvolvimento da inteligência, abordando a natureza, a construção e a dinâmica da emoção e dos pensamentos. Os seus livros ocupam os lugares cimeiros nas listas de livros mais vendidos em todos os países onde são publicados. É considerado o autor mais lido do Brasil dos últimos anos e um verdadeiro fenómeno editorial, com mais de 30 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo. No seu último livro, o Médico da Emoção, Augusto Cury explica-nos que “a vida não é lógica, mas agradavelmente imprevisível”. Foi sobre vida e saúde mental que conversámos, aquando da sua mais recente passagem por Lisboa.
O que o levou a interessar-se pela mente e pela construção do pensamento?
Tenho desenvolvido, há mais de três décadas, uma das raras teorias sobre a construção do pensamento, sobre o processo de formação do “eu” como líder da mente humana, o programa de gestão de emoção, os papéis conscientes e inconscientes da memória e, ainda, o processo de interpretação.
Antes de escrever o meu primeiro livro, escrevi mais de 3 000 páginas sobre a nova teoria e, a partir daí, comecei a escrever vários livros por ano. O meu objetivo, enquanto psiquiatra e também enquanto produtor de conhecimento, é democratizar o acesso às ferramentas de gestão de emoção, para que o maior número de pessoas possa aprender a escrever os capítulos mais importantes da sua História, nos momentos mais difíceis das suas vidas.
Pela sua experiência, quais as principais diferenças entre o povo brasileiro e o povo português, no que diz respeito à saúde mental?
Sinceramente, na minha opinião, não há diferenças. Em todo o mundo estamos a adoecer coletivamente. Uma em cada duas pessoas tem ou vai desenvolver um transtorno psiquiátrico ao longo da vida, metade da população portuguesa e metade da população do Brasil tem ou vai desenvolver um transtorno psiquiátrico, assim como metade da população mundial… Isto é muito grave. Três quartos da população tem ou vai ter glossofobia (medo de falar em público). 70% mostram sinais de timidez e centenas de milhões de adultos e jovens estão a apresentar sintomas de alodoxafobia (medo dos haters, da opinião dos outros e da crítica).
A população está a adoecer rapidamente. Para ter uma ideia, em relação à depressão, provavelmente 20% da população mundial, ou seja, 1,6 mil milhões de pessoas, vai desenvolver uma doença depressiva ao longo da vida. A humanidade está a adoecer coletivamente. A nossa educação é cartesiana, racionalista, ensina-nos a conhecer o mundo que está fora, mas não o mundo que somos dentro. E conhecer o mundo interior é importante para que possamos aprender a proteger a emoção e para nos tornarmos autores da nossa própria história.
A pandemia mundial que atravessamos causou um forte impacto na saúde mental de pais, professores e crianças. Qual o principal conselho que daria a quem se encontra afetado por esta realidade?
A pandemia revelou que os pais não sabem dialogar com os filhos normalmente e os filhos não sabem perguntar aos pais o que devem fazer para se tornarem mais felizes. Quando um aluno erra, os professores têm dificuldade em elogiar primeiro, antes de fazer uma crítica. Antes de conquistar o território da razão, devem conquistar o território da emoção. A pandemia revelou que sabemos conversar, mas, infelizmente, não sabemos dialogar, e isso é muito grave. No que diz respeito aos casais, aumentou mais de 70% o número divórcios no mundo, porque na pandemia começaram a fazer da pequena sala de estar um coliseu. Discutem, apontam falhas, erros, mas não sabem pedir desculpa, não sabem dizer onde erraram, não sabem fazer pequenos elogios diários para construir pontes para um amor sustentável.
Não há amor sustentável se não há admiração. Começamos a amar pela emoção e só começamos a amar sustentavelmente se houver admiração; só há admiração quando há aplausos, elogios, quando se pede desculpa, quando nos pomos no lugar do outro, quando se transfere o capital das experiências — aquilo que o dinheiro não pode comprar.
“Não há amor sustentável se não há admiração.”
Os pais, atualmente, procuram mais respostas e ajuda, no que à saúde mental dos seus filhos diz respeito?
Procuram muito mais, mas também estão muito mais desesperados, devido a duas síndromes atuais. A primeira, a síndrome do pensamento acelerado — que tive o privilégio de estudar e escrever. Uma criança de sete anos, atualmente, tem acesso a demasiada informação, e isso acelera a mente humana, leva as crianças a não terem concentração; os adolescentes a não terem foco, a perderem o prazer em estar na sala de aula, a estarem agitados, a fazerem mil coisas ao mesmo tempo e a última coisa que querem fazer é estar em frente ao professor. Normalmente, esta síndrome leva as crianças e adolescentes a sofrerem por antecipação e a estarem muito inquietos.
A segunda, a síndrome da intoxicação digital: as crianças e adolescentes, bem como os adultos, no Brasil, gastam cerca de dez horas na internet, mas não estão ligados consigo próprios. Isto é um problema muito sério, que faz com que as pessoas não entendam que têm de trabalhar as perdas e frustrações, que devem pôr-se no lugar do outro, procurar estímulos e saber que as flores nascem nos invernos e desabrocham nas primaveras — as flores nascem nas dores, nas perdas e nas frustrações e desabrocham nas primaveras da vida. Quem tiver medo das frustrações, das perdas e dos invernos, não consegue desenvolver as mais belas primaveras e foi por isso que eu escrevi em Médico da Emoção.
Considera-se um “eterno aprendiz”. O que o incentiva a procurar respostas?
O amor pela humanidade. Eu sinto que uma das funções mais importantes não é pensar como português ou como brasileiro, como americano, ou francês, chinês; nem pensar como católico protestante, budista ou islamista, mas pensar como Humanidade. Ter um caso de amor com a nossa espécie é fundamental e tem de ser ensinado nas escolas no mundo todo. Foi também por isso que escrevi o Médico da Emoção.
“Ter um caso de amor com a nossa espécie é fundamental.”