Antes de 25 de abril de 1974, ler estes livros era revolucionário

Por: Marta Ribeiro a 2024-04-17

10%

Povo
16,00€ 14,40€
PORTES GRÁTIS

10%

O Canto e as Armas
12,90€
10% CARTÃO LEITOR BERTRAND
PORTES GRÁTIS

10%

Praça da Canção
19,90€
10% CARTÃO LEITOR BERTRAND
PORTES GRÁTIS

10%

Minha Senhora de Mim
12,90€
10% CARTÃO LEITOR BERTRAND
PORTES GRÁTIS

10%

Dinossauro Excelentíssimo
10,00€
10% CARTÃO LEITOR BERTRAND
PORTES GRÁTIS

Últimos artigos publicados

A cantiga é uma arma: sete músicas que mudaram o curso da história

Em 1973, José Mário Branco compôs A cantiga é uma arma. Começa assim: “A cantiga é uma arma / Eu não sabia / Tudo depende da bala / E da pontaria”. A palavra cantada pode mover multidões e, entre as linhas de cada partitura, há muitas mensagens que se podem passar. Embora seja impossível dar como certa a relação simbiótica entre a música de intervenção portuguesa e o 25 de Abril, é certo que as mensagens veiculadas por Zeca Afonso, Sérgio Godinho, José Mário Branco, Fausto, entre outros, eram o espelho de um descontentamento que quebrava as fronteiras da música. E isso é e sempre foi verdade: em Portugal e no mundo, há melodias que não saem da memória coletiva e continuam a ser ecoadas por multidões em protesto.

O 25 de Abril e a Revolução dos Cravos — nunca tanta gente decidiu tanto

Era uma vez um Homem, ou Quasi-Homem, que queria comer o fruto do alto duma árvore. Olhou, calculou a distância, decidiu que queria (ato consciente) comer o fruto e pensou em como fazer-se chegar lá. Começou por uma liana, que se partiu, refletiu sobre o peso, e pensou que podia produzir, com as próprias mãos, uns “degraus”, até que construiu uma escada. 

“Havia uma energia no ar, um sentimento quase eufórico de liberdade”

Por acaso, foi no fatídico dia 11 de março de 1975. Calhou. Tinha desfeito a minha tenda na Alemanha e comprado, para essa data, a viagem para Portugal. Na mala, um projeto de tese de doutoramento sobre a resistência contra a ditadura do Estado Novo. Na altura, mal imaginava que nunca mais sairia de terras lusas, a não ser para ir buscar, de carro, os pertences que me faziam mais falta ou para, de longe a longe, visitar familiares e amigos. Dava os primeiros passos na língua portuguesa, conseguia entender relativamente bem os jornais (o meu latim de liceu ajudava…), mas comunicava em francês, até ao momento em que decidi que falaria, daí em diante, ainda que com limitações, apenas e só em português.

Dizia o escritor Mário Dionísio que “sem cultura, não pode haver liberdade, mas só um perigoso simulacro”. Até à Revolução dos Cravos, as imposições ditatoriais queriam que Portugal fosse esse simulacro: a Cultura que não se vergava perante os critérios vigentes era censurada, perseguida, violentada até ser calada. A literatura tinha uma particularidade: a censura só agia depois da publicação. No caso de jornais, revistas, peças de teatro, filmes e programas de televisão, existia uma censura prévia, impossibilitando algumas delas de ver a luz do dia. Mas os agentes da PIDE não tinham capacidade para examinar todos os livros que saíam, por isso, ainda que fossem proibidos e apreendidos, havia sempre a possibilidade de alguns fazerem o seu caminho e serem lidos por alguém. Parte dos relatórios de censura foi perdida depois de, no dia 26 de abril de 1974, vários populares terem invadido a sede da polícia política em Lisboa.

Entre sete a dez mil livros terão sido examinados pelos censores. O regime de Salazar queria manter o povo num rebanho obediente, que não levantasse grandes ondas. Para isso, servia-se do elogio da ruralidade (aqui, sinónimo de ignorância), que apresentava como uma das grandes características do povo português. Queria cristalizá-la, essa “ruralidade”, porque se tudo se mantivesse na ordem que tinha criado, a ditadura continuaria de boa saúde.


Povo, de Afonso Ribeiro (1947)

Numa das únicas entrevistas que concedeu, Afonso Ribeiro disse a Alexandre Pinheiro Torres, historiador e crítico literário: “Falar do homem do campo, do trabalhador da terra e esquecer as suas angústias inconfessadas, os seus músculos doridos, o seu olhar triste — da tristeza horrível que nada aguarda, nada! — parece-me feio embuste”. Afonso Ribeiro foi um dos primeiros escritores neorrealistas portugueses, apesar de pouco recordado. Era professor primário e foi nas zonas rurais, onde dava aulas, que teve um contacto cru com as desigualdades sociais e a carência dos mais desfavorecidos. A oposição ao Estado Novo custou-lhe a profissão: foi impedido de dar aulas e sobreviveu como delegado de informação médica, sempre a ser perseguido pela polícia política. Em Povo, mostra-se contra a visão salazarista do campo, uma visão romantizada que ignorava o sofrimento dos trabalhadores e a fraca moral dos proprietários. Depois de ser preso várias vezes, sujeito a buscas domiciliárias, e assistir à apreensão das suas obras, exilou-se: primeiro, no Brasil, mais tarde, em África. No relatório do censor Carlos Maria do Carmo, lê-se: “O autor publica uma série de contos, focando na sua generalidade a miséria em que vivem as classes trabalhadoras populares, oprimidas pelas classes patronais dos abastados. Pura propaganda comunista. Alguns deles têm passagens inconvenientes como as que vão assinaladas a páginas 122 a 125, 130, 132, 143, 266 e 267, além do uso de termos vernáculos”.


Comunicação, de Natália Correia (1959)

Natália Correia nunca alterou o seu estilo para tentar encaixar na (minúscula) caixa da censura. Em 1959, publicou Comunicação, a primeira de seis obras censuradas — foi a escritora portuguesa que teve mais obras proibidas pela PIDE. É um híbrido entre poesia e teatro, que gira em torno da Feiticeira Cotovia, uma feiticeira que é poeta. Aqui, a poesia vai além das palavras, é uma espécie de magia, forma de reivindicação ou formação de algo. A ação situa-se na cidade de Lusitânia, uma clara referência a Portugal, que é aqui reduzido a um espaço muito mais apertado do que o império que o Estado Novo queria construir. A autora não se refere ao tamanho em quilómetros, mas reduz Portugal a um sítio de pouca cultura e fraca mentalidade. Na obra, também há inquisidores que condenam a feiticeira, metáfora para a repressão política no Estado Novo, ligando o governo de Salazar à Igreja. Para Natália Correia, a literatura era uma forma de política.

O censor Rodrigo de Freitas escreve sobre a obra, no relatório de censura: “A Autora quer referir-se, julgo, à condenação da morte da Poesia, no País. O introito, a forma derrotista como apresenta o Poema (felizmente, não na íntegra!), a sensualidade, a libertinagem e a falta de senso moral bem verificados, levam, sem sombra de dúvida, a não autorizar a sua circulação”.


Um Auto Para Jerusalém, de Mário Cesariny (1964)

A trama transpira surrealismo. No Académico-Clube dos Sábios locais, vários intelectuais judeus estão reunidos para criar uma grande obra para a posterioridade — alguma coisa sobre a língua hebraica. Até que o Menino Jesus entra em cena: acusa os sábios de serem distantes e insensíveis com o sofrimento do povo. Estão tão imiscuídos no virtuosismo que se esquecem que, enquanto ninguém souber ler, a literatura não serve para nada. Quer que se revoltem, que saiam às ruas e inflamem a revolta contra a tirania dos poderosos porque reina a fome e a pobreza. A Autoridade (um agente da Gestapo, que era uma referência à PIDE) entra para prender todos os presentes: o Menino vai ser levado para uma casa de correção e os outros “conspiradores” para a prisão. A obra foi proibida em 1965 e a maior parte dos exemplares foi destruída pela PIDE. 

O parecer do Capitão José Brandão Pereira de Mello constata sobre a obra: “Esta obrinha de um dos próceres do surrealismo português parece-me absolutamente inaceitável, isto é: francamente censurável (digna da mais severa censura) não só pela irreverência, em matéria religiosa ou de fé, como pela chocante intromissão satírico-política no tema filosófi co-moral que o A. se propôs. A fala de Jesus (págs. 34 a 53) é absolutamente definidora do espírito achincalhante da obrinha, que, por isso, bastantemente por isso, me parece de proibir.”


O Canto e as Armas, de Manuel Alegre (1967)

“Contrapondo a incandescência das ‘armas’ a uma outra, e porventura utópica, a do ‘canto’, esta voz remete-nos a um destino hegemónico que consagra os artefactos da alta poesia”, considera Mário Claúdio, no prefácio de O Canto e as Armas. Foi publicado em 1967 e esgotou em poucos dias, como já tinha acontecido com Praça da Canção, em 1965 — também o destino foi o mesmo: proibidos e os poucos exemplares encontrados pela PIDE, apreendidos. Mas nem isso parou a circulação da obra que se mantém viva 50 anos depois. Circulavam cópias manuscritas e datilografadas, eram apreendidas e o ciclo repetia-se, O Canto e as Armas nunca deixou de existir. Na altura em que publicou a obra, Manuel Alegre já não estava em Portugal, mas exilado em Argel. Em 1961, foi para Mafra cumprir o serviço militar obrigatório e daí seguiu para a ilha de São Miguel, nos Açores, onde congeminou um plano para tomar conta da ilha e desencadear um golpe de Estado. Pouco tempo depois, em 1962, foi destacado para Angola, onde foi preso pela PIDE. Os anos que se seguiram passou-os exilado, primeiro, em Paris e só depois em Argel. Depois do 25 de Abril, regressou a Portugal e ingressou na vida política: foi deputado do Partido Socialista na Assembleia Constituinte, e, depois, na Assembleia da República, cargo que ocupou durante 34 anos.


Escritos Políticos, de Mário Soares (1969)

Mário Soares publicou estes escritos em 1969, numa edição de autor: era a única forma de garantir que nenhum editor seria comprometido, já que era clara a eminente proibição da obra. Nessa altura, estava preso sem julgamento em São Tomé. Foi preso 12 vezes até decidir, por fim, partir para o exílio em França, um ano depois. O livro foi censurado e apreendido, como esperado. Escritos Políticos inclui vários textos da autoria de Mário Soares, desde um projeto de representação endereçado ao Presidente da República aquando dos 40 anos do Estado Novo (lê-se, nessa carta, escrita em 1965: “[…] Não será decerto novidade para V. Exª dizer que quarenta anos de Estado Novo trouxeram ao país o mais baixo nível de vida da Europa”) até um artigo intitulado “Oposição e Governo em Portugal”, escrito para a revista Government and Opposition, em 1967. Conta ainda com uma entrevista (nunca publicada) de Raul Rego a Mário Soares para o Diário de Lisboa, em 1968, entre outros textos politicamente relevantes e infames para o regime dictatorial.

No relatório de censura n.º 8 590, de 4 outubro 1969, considera o Capitão José Brandão Pereira de Mello: “Não se trata de matéria política de propaganda eleitoral, mas, sim, de um ataque ao Governo e às bases orgânico-políticas do actual sistema político-social. Aliás, em termos geralmente inconvenientes, pois alguns trechos capitulares tiveram, confessadamente, intervenção da Censura, quando apresentadas [sic] para jornais diários. Tratando-se pois, como se trata, de uma obra de puro ataque político mal-intencionado e inoportuníssimo, parece-me preferível proibir a sua circulação”.


Minha Senhora de Mim, de Maria Teresa Horta (1971)

Minha Senhora de Mim questiona e abala o sistema patriarcal profundamente imposto no Estado Novo. Usa a forma das cantigas de amigo medievais e subverte-a: a mulher é o centro da narrativa e o centro do desejo sexual, não estando dependente do “amigo”. Em muitos dos 59 poemas que compõem esta obra, a mulher comanda a relação heterossexual, não é submissa e, não raras vezes, é ela quem submete. O livro foi publicado em 1971 pela D. Quixote, com edição de Snu Abecassis, que acabou por ser ameaçada com o fim da D. Quixote. Maria Teresa Horta foi perseguida, insultada e espancada por homens não identificados. A poetisa esteve presa 24 horas depois da publicação do livro, as paredes de sua casa encheram-se de dizeres ofensivos e recebeu telefonemas e cartas anónimas com ameaças. Era já o nono livro que a autora publicava e a polícia política andava atenta aos seus escritos há algum tempo. Já no início de 1967, haviam pedido informações sobre a autora. Minha Senhora de Mim foi proibida e apreendida.

Lê-se num documento que dava conta da apreensão desta obra: “Em referência ao rádio n.º 129/71-CI(1), de 14 do corrente mês, junto envio a V. Ex.ª um Auto de Apreensão, dois exemplares do livro MINHA SENHORA MIM, de Maria Teresa Horta, apreendidos na Livraria Antecipação, tendo a mesma devolvido 75 e vendido os restantes. Na livraria Nuno Álvares e Galeria Coldex, já haviam sido vendidos.”


Dinossauro Excelentíssimo, de José Cardoso Pires (1972)

Esta é uma obra com uma história curiosa — nunca chegou a ser censurada devido a uma intervenção precipitada do deputado da Assembleia Nacional Casal-Ribeiro, ultraconservador. Dinossauro Excelentíssimo tinha acabado de sair, em 1972, quando Miller Guerra, deputado da “ala liberal” afirmou na Assembleia Nacional que não havia liberdade em Portugal. Prontamente, Casal-Ribeiro perguntou-lhe: “V. Ex.ª falou no falso conceito de liberdade. E eu pergunto o seguinte: V. Ex.ª quer mais liberdade do que aquela que nós vivemos neste momento, quando se permite, por exemplo, a saída de um livro ignóbil chamado Dinossauro Excelentíssimo?” (Diário da Sessões, n.º 201, 29 nov. 1972, p. 3960-3961). Depois desta intervenção que sublinhou a publicação da obra como um exemplo de liberdade, a Censura não teve capacidade de atuar e o livro foi um sucesso, com seis edições entre 1972 e 1973.

Dinossauro Excelentíssimo é uma sátira à vida de Salazar e ao Estado Novo, num tom extremamente irónico. É a história "de certo Reino onde outrora vivia um imperador astuto, diabo e ladrão" de quem "não se sabe se afinal ele era homem, se era estátua ou apenas descrição". O percurso do imperador, o Dinossauro, reproduz a vida de Salazar e segue-se uma descrição do governo, que usa a mentira como forma de governar.

 

X
O QUE É O CHECKOUT EXPRESSO?


O ‘Checkout Expresso’ utiliza os seus dados habituais (morada e/ou forma de envio, meio de pagamento e dados de faturação) para que a sua compra seja muito mais rápida. Assim, não tem de os indicar de cada vez que fizer uma compra. Em qualquer altura, pode atualizar estes dados na sua ‘Área de Cliente’.

Para que lhe sobre mais tempo para as suas leituras.