Dois poemas de João Luís Barreto Guimarães
Por: Bertrand Livreiros a 2023-01-04
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Médico, tradutor e poeta, João Luís Barreto Guimarães foi recentemente distinguido com o Prémio Pessoa 2022. O júri da iniciativa do semanário Expresso e da Caixa Geral de Depósitos destacou que João Luís Barreto Guimarães "alia à virtude da palavra e da imaginação, uma reflexão por vezes irónica, por vezes realista, sempre duramente trabalhada, sem prejuízo do efeito estético na construção do poema".
"Escreve sobre os portugueses, e tudo o que vê e o que observa, o que sente e o que pensa, e sobre o outro com uma atenção permanente" — é "testemunho de um tempo, o de agora, e de um tempo antigo, clássico, universal, reconhecível pela inteligência e a emoção", acrescenta a nota do júri. A propósito desta distinção, partilhamos dois dos seus poemas.
Sol de Janeiro
Nunca tanto como hoje reparei com atenção
na
luz do sol de Janeiro. Forte
mas delicada. Furtiva
mas
demorada. Não arde nem faz tremer.
Não é densa nem clara. A
luz
do sol em Janeiro:
assim é o nosso amor
oculto pela tinta dos dias apenas
espreita uma aberta
(uma distracção das nuvens)
para
luzir e irromper
(nunca antes como hoje precisei)
tanto que o vento lhe desse oportunidade).
O nosso amor
é Janeiro:
mesmo se o julgo esquecido
sei que
está sempre lá.
— in Rés-do-Chão
A hipótese do cinzento
Num país a preto e branco
recomendaram-me o cinzento. Um recurso
extraordinário. Com a hipótese do cinzento poderia
ensaiar
soluções inusitadas
experimentar o morno (que não é frio nem
quente)
explorar o lusco-fusco (que
não é noite nem dia) praticar a omissão
(que não é mentira
nem verdade). Preto e branco misturados permitiam
finalmente
viver em conformidade
desocupar os extremos (tão alheios à virtude)
liquefazer-me na turba
no centro na
média
dourada. Com a paleta dos cinzentos poderia
aprimorar a arte da sobrevivência que
(como os mansos bem sabem) é
não estar vivo
nem morto.
— in Nómada