"Os elevadores de Lisboa", de Lawrence Ferlinghetti

Por: Bertrand Livreiros a 2021-02-24 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa

Lawrence Ferlinghetti

Lawrence Ferlinghetti

Lawrence Ferlinghetti (1919-2021), patrono anarquista dos poetas norte-americanos, tornou-se pacifista depois de testemunhar a destruição de Nagasáqui – um ativismo que cultivaria toda a vida. Em 1953, fundou a Livraria City Lights, em São Francisco, palco da contracultura beat e de leituras acompanhadas de jazz e álcool noite dentro, onde Kerouac e Burroughs marcaram presença. É autor de mais de quarenta obras, nas quais se destacam Uma Coney Island da Mente (1958) e Pictures of the Gone World (1955). Quis libertar a poesia do mofo da academia, dar voz a autores necessários e afirmava: «Não me dei conta de que era poeta, dei-me conta de que tinha algo a dizer.»

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Escrevia Lawrence Ferlinghetti: "The greatest poem is lyric life itself". Com ele, parecia dialogar Agostinho da Silva quando afirmou: "Quando acabássemos, dever-se-ia dizer: morreu um poema". Hoje, dia 24 de fevereiro, morreu um poema.

Com 101 anos, aquele que para além de ter sido o último poeta da geração Beat, foi também editor, ativista, pintor, dramaturgo e tradutor, morreu vítima de uma doença pulmonar. De ascendência portuguesa, vivia em São Francisco, nos EUA, cidade onde o seu dia de aniversário (24 de março) foi proclamado como o Dia de Lawrence Ferllinghetti, e era sobretudo conhecido pela sua obra poética, da qual se destaca A Coney Island of the Mind, e por ser o fundador da livraria e editora City Lights. Ponto de encontro importante dos beats, esta foi a editora responsável por publicar a maior parte dos seus livros, tendo estado envolvida na controvérsia gerada em volta do livro de Allen GinsbergUivo (razão pela qual Ferllinghetti chegou mesmo a ser preso). Por ocasião do seu centésimo aniversário, escreveu Rapazinho, publicado pela Quetzal em 2019, que se assume como um testemunho autobiográfico do autor.

No dia em que lhe dizemos adeus, recordamo-lo com um poema que escreveu por ocasião de uma visita à cidade de Lisboa, e que dedicou ao cantor e compositor Jorge Palma.


Os elevadores de Lisboa, de Lawrence Ferlinghetti 

Os elevadores de Lisboa

sobem e descem e descem e sobem desde o início dos tempos

levando a vida de Lisboa

acima e abaixo e abaixo e acima como as riquezas de Lisboa

foram crescendo e decrescendo cima e abaixo e abaixo e acima

E os elevadores de Lisboa foram os primeiros a nascer na cabeça de Monsieur Eiffel

o mesmo Monsieur Eiffel

que só muito mais tarde construiu a Torre Eiffel em Paris mas os elevadores de Lisboa

foram a verdadeira obra da sua vida acima e abaixo e abaixo e acima

Os elevadores de Lisboa

contam a história de Lisboa

acima e abaixo e abaixo e acima

contam por exemplo quando em tempos idos

 

havia aquele tipo com o olho de peixe

que passou a controlar os elevadores da cidade como já fizera a tudo o mais

e foi essa a sua última grande conquista

e ordenou que nenhum elevador da cidade pudesse deixar o chão

sem a sua autorização pessoal e por escrito e a ninguém foi permitido

subir e descer e descer e subir

ou sequer superar-se a si próprio

ou voar ou subir fosse aonde fosse

sem a sua autorização pessoal e por escrito.

E assim toda a população estava acorrentada ao chão

e especialmente nas igrejas os elevadores estavam proibidos de subir e descer e descer e subir

e cada um ficava como um pequeno confessionário eternamente parado

Mas apesar de tudo um belo dia

tal como está escrito nos anais dos elevadores aquele homenzinho com o olho de peixe entrou no famoso elevador de monsieur Eiffel para subir e descer e descer e subir

mas enganou-se no botão

tal como está escrito nos anais da cidade

e foi pelo caminho errado

e desceu e desceu em vez de subir e subir

 

e desceu e desceu e desceu

direito ao inferno do Signor Dante

e nunca mais se ouviu falar

e nunca mais foi visto

aquele homenzinho com o grande olho de peixe desapareceu para todo o sempre

embora ainda haja um estranho cheiro a peixe podre em certos dias na cidade

Mas entretanto os velhos e lindos elevadores de Lisboa retomaram os seus velhos rumos

continuando a levar a vida de Lisboa

acima e abaixo e abaixo e acima

e como sempre fizeram

continuam a levar os amantes de Lisboa acima e abaixo e abaixo e acima

especialmente à noite quando os amantes de Lisboa não encontram outro sítio para fazer amor

os elevadores de Lisboa

levam-nos acima e abaixo e abaixo e acima

os elevadores de Lisboa levam os amantes de Lisboa acima e acima e acima e acima

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