"Os elevadores de Lisboa", de Lawrence Ferlinghetti
Por: Bertrand Livreiros a 2021-02-24 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa
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Escrevia Lawrence Ferlinghetti: "The greatest poem is lyric life itself". Com ele, parecia dialogar Agostinho da Silva quando afirmou: "Quando acabássemos, dever-se-ia dizer: morreu um poema". Hoje, dia 24 de fevereiro, morreu um poema.
Com 101 anos, aquele que para além de ter sido o último poeta da geração Beat, foi também editor, ativista, pintor, dramaturgo e tradutor, morreu vítima de uma doença pulmonar. De ascendência portuguesa, vivia em São Francisco, nos EUA, cidade onde o seu dia de aniversário (24 de março) foi proclamado como o Dia de Lawrence Ferllinghetti, e era sobretudo conhecido pela sua obra poética, da qual se destaca A Coney Island of the Mind, e por ser o fundador da livraria e editora City Lights. Ponto de encontro importante dos beats, esta foi a editora responsável por publicar a maior parte dos seus livros, tendo estado envolvida na controvérsia gerada em volta do livro de Allen Ginsberg, Uivo (razão pela qual Ferllinghetti chegou mesmo a ser preso). Por ocasião do seu centésimo aniversário, escreveu Rapazinho, publicado pela Quetzal em 2019, que se assume como um testemunho autobiográfico do autor.
No dia em que lhe dizemos adeus, recordamo-lo com um poema que escreveu por ocasião de uma visita à cidade de Lisboa, e que dedicou ao cantor e compositor Jorge Palma.
Os elevadores de Lisboa, de Lawrence Ferlinghetti
Os elevadores de Lisboa
sobem e descem e descem e sobem desde o início dos tempos
levando a vida de Lisboa
acima e abaixo e abaixo e acima como as riquezas de Lisboa
foram crescendo e decrescendo cima e abaixo e abaixo e acima
E os elevadores de Lisboa foram os primeiros a nascer na cabeça de Monsieur Eiffel
o mesmo Monsieur Eiffel
que só muito mais tarde construiu a Torre Eiffel em Paris mas os elevadores de Lisboa
foram a verdadeira obra da sua vida acima e abaixo e abaixo e acima
Os elevadores de Lisboa
contam a história de Lisboa
acima e abaixo e abaixo e acima
contam por exemplo quando em tempos idos
havia aquele tipo com o olho de peixe
que passou a controlar os elevadores da cidade como já fizera a tudo o mais
e foi essa a sua última grande conquista
e ordenou que nenhum elevador da cidade pudesse deixar o chão
sem a sua autorização pessoal e por escrito e a ninguém foi permitido
subir e descer e descer e subir
ou sequer superar-se a si próprio
ou voar ou subir fosse aonde fosse
sem a sua autorização pessoal e por escrito.
E assim toda a população estava acorrentada ao chão
e especialmente nas igrejas os elevadores estavam proibidos de subir e descer e descer e subir
e cada um ficava como um pequeno confessionário eternamente parado
Mas apesar de tudo um belo dia
tal como está escrito nos anais dos elevadores aquele homenzinho com o olho de peixe entrou no famoso elevador de monsieur Eiffel para subir e descer e descer e subir
mas enganou-se no botão
tal como está escrito nos anais da cidade
e foi pelo caminho errado
e desceu e desceu em vez de subir e subir
e desceu e desceu e desceu
direito ao inferno do Signor Dante
e nunca mais se ouviu falar
e nunca mais foi visto
aquele homenzinho com o grande olho de peixe desapareceu para todo o sempre
embora ainda haja um estranho cheiro a peixe podre em certos dias na cidade
Mas entretanto os velhos e lindos elevadores de Lisboa retomaram os seus velhos rumos
continuando a levar a vida de Lisboa
acima e abaixo e abaixo e acima
e como sempre fizeram
continuam a levar os amantes de Lisboa acima e abaixo e abaixo e acima
especialmente à noite quando os amantes de Lisboa não encontram outro sítio para fazer amor
os elevadores de Lisboa
levam-nos acima e abaixo e abaixo e acima
os elevadores de Lisboa levam os amantes de Lisboa acima e acima e acima e acima