Um padre, um jornalista e um comediante entram num bar
Por: Beatriz Sertório a 2024-11-13
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“O que é que eu estou aqui a fazer?”, o título do livro que une João Francisco Gomes a Ricardo Araújo Pereira, parte de uma pergunta que o autor e comediante colocou a um padre numa aula de Religião e Moral do 8º ano. Na altura, foi interpretada como uma piada e deu azo a gargalhadas entre os seus colegas — algo que viria a inspirar a sua carreira na comédia —, mas logo se percebeu que se tratava de uma dúvida genuína. A essa pergunta, seguia-se, afinal, uma segunda: “Porque é que nascemos se, depois, temos de morrer?”.
Com apenas 13 anos na altura, era já algo que o atormentava; a incerteza desse “desconhecido país de cujas raias nenhum viajante ainda voltou” (Shakespeare), e que faz muitos voltarem-se para a religião em busca de respostas. No entanto, apesar de um percurso escolar marcado pelo cristianismo — da escola das freiras na primária ao franciscano Externato da Luz, seguido de uma escola jesuíta no secundário e, finalmente, a Universidade Católica –, Ricardo Araújo Pereira percebeu desde cedo que as respostas que a fé tinha para lhe oferecer não o satisfaziam. Ainda que o tema o continue a fascinar, como prova a sua vasta coleção de Bíblias e livros sobre religião, é assumidamente ateu e, frequentemente, o “ateu de serviço”, convocado para conferências e debates sobre questões existenciais entre crentes e não crentes.
Por essa razão, o jornalista João Francisco Gomes viu em Ricardo Araújo Pereira o convidado natural para uma série de conversas sobre fé que dariam origem a este livro. Autor de Roma, Temos Um Problema, sobre os abusos sexuais no seio da Igreja Católica, e jornalista no Observador desde 2016, onde escreve maioritariamente sobre religião e espiritualidade, desafiou o comediante a aprofundar uma reflexão que já tinha aflorado em A Doença, o Sofrimento e a Morte Entram num Bar (2016). Enquanto este refletia sobre o olhar humorístico e a forma como ele se relaciona com a certeza exclusivamente humana da mortalidade, O que é que eu Estou Aqui a Fazer? debruça-se agora sobre as intersecções entre o humor e a religião, com três novos intervenientes: um padre, um jornalista e um comediante.
Todavia, não foi num bar, mas nos escritórios da editora Tinta-da-China que o comediante Ricardo Araújo Pereira e o jornalista João Francisco Gomes se reuniram para cinco conversas; uma delas, com a participação especial do padre João Basto, formador no seminário de Viana do Castelo. Já o prefácio ficou a cargo do poeta e sacerdote José Tolentino Mendonça, que nele celebra e incentiva a possibilidade dos “diálogos fecundos entre crentes e não crentes”. Abordando temas como a existência de Deus, a relação complexa entre a religião e o riso, e até o encontro de 105 humoristas com o Papa no Vaticano, no qual Ricardo Araújo Pereira esteve presente, estas conversas, aparentemente descontraídas e permeadas pelo humor característico de Ricardo, encontram, afinal, precedentes em diálogos históricos como a entrevista do astrónomo (agnóstico) Carl Sagan ao líder budista, Dalai Lama, em 1991.
Entre reflexões, é lançada a seguinte proposta: talvez o humor e a religião sejam respostas paralelas às grandes inquietações da Humanidade. Por um lado, a religião, como consolo de que existe uma recompensa após a morte; por outro, o humor, como bálsamo que atenua, ainda que por breves momentos, a certeza de que vamos morrer. Em ambos, a mesma compreensão de que tudo o que é bom acaba, mas também, é precisamente por isso que é bom. No final de contas, como afirma Ricardo Araújo Pereira numa crónica que escreveu para a Folha de São Paulo: “Se o campeonato do mundo durasse para sempre, ninguém via.” Aproveitemos então, enquanto dura.