Não existe senão o presente.
Por: Beatriz Sertório a 2022-04-15 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa
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A caminhar para os seus 80 anos, refletiu Vergílio Ferreira num ensaio intitulado Pensar:
"Uma vida inteira — que amontoado de coisas. Mas quantas coisas nela são coisas de serem? Tão poucas. Porque só o são, se elas nos surpreenderem e a pancada que nos dão ficar a doer."
Tendo vivido até aos 100 anos, Violeta, a protagonista do mais recente romance da chilena Isabel Allende, carregou muitas dores ao longo da sua vida. Nasceu durante a pandemia da Gripe Espanhola, atravessou a crise da Grande Depressão, testemunhou (ainda que à distância) as atrocidades da Segunda Guerra Mundial e ainda viveu o suficiente para ver o mundo mergulhado numa nova pandemia. Entre os grandes momentos da História, estão aqueles que não aparecem nos manuais, mas que, apesar disso, são o próprio “amontoado de coisas” de que a vida é feita.
“Há um tempo para viver e um tempo para morrer. Entre ambos, há tempo para recordar.” — Isabel Allende
Depois de mais de 25 livros publicados e traduzidos em 42 idiomas, Violeta marca os quarenta anos de vida literária desta que é a autora de língua espanhola mais lida em todo o mundo. Quando questionada acerca da inspiração que a levou a escrever este romance, confessa que surgiu num desses mesmos momentos em que a dor teima em não passar - a morte da sua mãe, em 2018. Por as suas emoções não lhe permitirem distanciar-se o suficiente para escrever uma biografia, decidiu então transformar a história de vida da sua mãe em ficção, oferecendo-a, assim, à eternidade que é própria da literatura.
Violeta, como tantas personagens marcantes de Allende, é uma mulher forte, social e economicamente independente, que se eleva perante a mentalidade retrógrada e conservadora da sua família através da educação. Vive num país sul-americano, nunca nomeado, marcado pela mancha do patriarcado, o qual desafia constantemente. No final de uma vida preenchida, que se estendeu ao longo de um século, começa a escrever cartas nas quais recorda as suas vivências, e a partir das quais se dá a conhecer ao leitor.
“Depois de viver um século, sinto que o tempo me escorreu por entre os dedos. Para onde foram estes 100 anos?” — Isabel Allende
Ao nascer durante uma pandemia e tendo morrido no decorrer de outra, Violeta é testemunha de como a História ocorre em ciclos; com as analogias que esta tece ao longo do tempo, o passado torna-se advertência para o presente e, com ele, aprendemos a escrever um futuro melhor. Por sua vez, no último ciclo da vida de cada um, aprenderemos, então, a mesma verdade que esta constata nos seus últimos dias: no final de contas, no “amontoado de coisas” que formam a História das nossas vidas, não existe senão o presente.