"Por este reino acima" | A arte de tratar "as estradas do mundo por tu"
Por: Beatriz Sertório a 2020-07-10 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa
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De mochila às costas e bastão de caminhada na mão, Gonçalo Cadilhe segue, mais uma vez, o ímpeto que o acompanha desde os tempos de escuteiro: “Caminha até alcançares o início de ti mesmo” ou, pelo menos, até tratares “as estradas do mundo por tu”.
É esse mote, conjugado com a aptidão para a escrita e uma paixão pelo surf, que o tem levado a aventurar-se pelo mundo fora: desde uma volta ao mundo sem aviões, em 2003-2004, ou seguindo a rota de Fernão de Magalhães, em 2007, o autor conta já com muitos quilómetros na bagagem e mais de uma dezena de livros publicados, que resultaram das suas viagens. Desta vez, segue os passos de uma figura já sua conhecida e popular entre os portugueses: o Santo António.
Depois de ter escrito Nos passos de Santo António, reproduzindo a viagem do santo desde Portugal até ao Norte de Itália, em Por este Reino Acima o autor foca-se no caminho português que o santo terá percorrido a pé, no início do século XIII — percurso este que descreve como “o primeiro trekking da História de Portugal”. Antes de ser santo (e António), Fernando Martins, “um rapaz de grande curiosidade intelectual, com sede de conhecimento e ávido de leitura”, foi, possivelmente, o primeiro grande viajante da História do nosso país. Dos anos que passou em Portugal, conhecem-se apenas dois factos que determinaram o percurso do autor: nasceu em Lisboa e estudou em Coimbra.
"Para muitos, António é o santo dos milagres. Para mim, é o santo do caminho".
Com a convicção de que não é um peregrino mas “um escritor que viaja”, Gonçalo parte do local de nascimento do santo, assinalado pelo museu criado em seu nome no Largo da Sé, em Lisboa, durante oito dias (a completar 25 km por dia) e caminha rumo a Coimbra, a cidade que “é uma lição”. Apesar de não ser supersticioso, dá o primeiro passo com a perna direita, lembrando a resposta dada por Niels Bohr (Prémio Nobel da Física, em 1922) em relação à contradição de ser um cientista dado a superstições: “Claro que não acredito… mas dizem que também dá sorte a quem não acredita.”
Pelo caminho, recorda outras estradas e outras viagens, e imagina como terá sido a caminhada do jovem Fernando, que um dia, viria a ser conhecido por todo o mundo. No final, partilha a certeza de todos aqueles que viajam, expressa por outro escritor antes de si: “A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam” (José Saramago, Viagem a Portugal).