"Apeirogon" | Desolação e beleza infinita
Por: Marisa Sousa a 2021-07-06
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Apeirogon: Viagens Infinitas (Porto Editora, 2021) devia trazer instruções de uso para os mais desavisados: sinta este livro. Para percorrer os 1001 capítulos — muitos deles, brevíssimos fragmentos, frases ou imagens — que o compõem, convocamos todos os sentidos e, ainda assim, o que ele nos entrega é infinitamente maior do que aquilo que nos pede. As estatísticas do mundo e as histórias dos outros têm outro peso quando lhes atribuímos um rosto. Nas linhas de Apeirogon pulsa o coração do mundo. “Aqui, a geografia é tudo.” Ler ativamente e vestir a pele do outro é a única forma de fazermos esta cartografia das fronteiras dos homens; de aprender que o outro, apesar de profusamente regado com medo, dor e ódio, pode deixar que lhe cresçam flores no peito.
Bassam Aramin, palestiniano, e Rami Elhanan, israelita, vivem sob o espectro de um conflito que condiciona todas as vidas e ínfimas rotinas, desde as estradas que estão autorizados a percorrer — onde dançam espanta-espíritos feitos de latas de gás lacrimogéneo — até às escolas frequentadas pelas suas filhas, Abir e Smadar, passando pelos inevitáveis postos de controlo, físicos e emocionais, que os mantêm em permanente estado de alerta. As suas vidas mudam irreparavelmente quando Abir (dez anos) é morta por um membro da polícia fronteiriça, junto à escola, e Smadar (treze anos) engrossa a sangrenta e longa lista de vítimas de bombistas suicidas.“Bassam e Rami começaram gradualmente a entender que utilizariam a força da sua dor como uma arma.” Da perda avassaladora nasceu uma amizade movida pela esperança de paz.
"Aprendera que a cura para o destino era a paciência."
Bassam e Rami, Abir (9 anos) e Smadar (10 anos) | Via Colummccann.com.
Partindo das suas experiências na organização sem fins lucrativos Narrative 4, que promove o storytelling como veículo para a paz, ao infundir “empatia radical” entre pessoas oriundas de zonas de conflito, Colum McCann mistura ficção e realidade num “romance-híbrido”, oferecendo-nos um dos livros mais poderosos do ano, onde as generosas pinceladas de arte, história, política e poesia convivem com o relato quase cinematográfico de uma realidade desoladora e, simultaneamente, repleta de esperança. “Quantas vezes, pensou Rami, o banal nos salva.”