Brigitte Giraud: "Tinha medo de não estar à altura deste homem, da história de amor, do acontecimento."
Por: Marisa Sousa a 2023-07-18 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa
Últimos artigos publicados
Tornou-se quase um lugar-comum dizer-se que a vida muda num instante. Raramente nos apercebemos realmente do que esta premissa de estar vivo significa. Em Viver Depressa, Brigitte Giraud (Prémio Goncourt em 2022) partilha connosco um dos acontecimentos mais dolorosos da sua vida: a morte do marido, há vinte anos, na sequência de um acidente de moto, para o qual nunca foi encontrada explicação. A narrativa faz-se desse caminho repleto de “e se?”, à procura de um sentido. Uma investigação quase obsessiva que analisa 23 peças de um puzzle. Mas desengane-se quem vier à procura de um diário da dor. Este é um livro sobre amor.
Depois desta travessia louca na qual a tua queda desencadeou todas as formas de cair. (…) A vida inconfessável. Houve a sensação de que te fundias em mim.
Marisa Sousa: Como é que se aprende a dizer eu em vez de nós?
Brigitte Giraud: Não se aprende, enfrentamos a realidade, não temos escolha. Faz parte de todas as coisas assustadoras que chamamos de luto.
Disse que este “é também um livro sobre arrependimento”. Este arrependimento traz consigo a sensação de culpa ou, pelo contrário, a sensação de ter sido também uma das principais vítimas?
Sim, é um livro que tenta organizar o pensamento que advém do arrependimento, e que ainda procura uma saída. Este livro, na sua construção, é uma última tentativa de encontrar um final diferente para esta história. Como uma última tentativa, mesmo sabendo que a escrita é impotente. Se apenas uma das 23 peças do puzzle (os 23 capítulos) não encaixar, o acidente pode não acontecer. Sou obviamente uma das principais vítimas, mas não me sinto uma vítima porque também eu era uma atriz, adulta, presente. É esse o objetivo do livro, navegar entre o arrependimento, a responsabilidade e a culpa.
Porquê escrever este livro vinte anos depois de tudo o que aconteceu?
Mantive-me em silêncio durante vinte anos porque este livro me assustava. Tinha medo de falhar, de passar ao lado, então fui adiando, escrevendo outros livros. Este livro é uma investigação, uma procura pela verdade, e a verdade por vezes é assustadora. E depois tinha medo de não estar à altura deste homem, da história de amor, do acontecimento. Precisava de ter alguma distância para escrever com a maior das liberdades possível, e na posse total da minha energia.
Continua a questionar “e se…”?
É um livro que questiona o destino, mas também o acaso, e sobretudo o determinismo. O determinismo social, político, histórico… As nossas vidas resultam do quê? E quais são as consequências de cada uma das nossas escolhas? Não tenho uma resposta, mas queria pôr em prática o “efeito dominó”, ver de perto o “curso das coisas”, a relação causa-efeito.
Por que motivo afirma que este livro (que sentimos ser um ato de amor e de redenção) é “apenas literário e nunca emocional”?
Claro que este livro está ligado à emoção. Mas a escrita permite mantê-la à distância, organizá-la e pôr em evidência a construção literária. A emoção nunca deve fazer do leitor refém, detesto isso. Tem razão, este livro é um livro de amor, mas também de redenção. Mas tentei que a escrita fosse consistente e estimulante.
O bater de asas da borboleta, que refere, pode ser aplicado a tudo o que acontece na nossa vida. Nessa busca quase obstinada, que exigiu um reviver constante de todos os pormenores para procurar um sentido, conseguiu encontrá-lo?
Tive de escrever este livro porque não havia uma causa aparente para o acidente. E, portanto, nenhum sentido. Um cérebro humano não consegue suportar aquilo que não tem um sentido. Escrever Viver Depressa foi uma forma de dar um sentido a algo que não o tinha, de compreender o incompreensível, de tornar suportável o insuportável. E nos dias, semanas e meses que precederam o acidente houve sinais estranhos (que eu não quis ver), coincidências invulgares, acasos inquietantes… Era preciso dar ordem a tudo isso através da escrita. Não sei se consegui encontrar um sentido, mas tentei fazê-lo.
Escrever Viver Depressa foi uma forma de dar um sentido a algo que não o tinha, de compreender o incompreensível, de tornar suportável o insuportável.
Assume não ser do “género de renunciar”. A que teve de renunciar para conseguir seguir em frente?
Penso que não renunciei a nada, não desisti de nada. Pelo contrário, luto cada vez mais contra a mediocridade, contra a mentira, contra o liberalismo, contra uma sociedade que encoraja a vulgaridade, a traição e a violência de todo o género. Estou frequentemente zangada, e a raiva é um bom combustível.
O que mudou com a atribuição do Prémio Goncourt?
O prémio Goncourt não muda a natureza das coisas. Permite dar a conhecer os meus romances anteriores, que são muito importantes para mim, nomeadamente Un Loup pour l’Homme, que fala da guerra na Argélia e nas coisas que o meu pai viveu. As traduções em muitos países trazem-me muita alegria. Desde que publiquei este livro, sinto-me mais calma. O prémio ajudou a trazer essa serenidade. E dá-me energia para continuar a escrever, mas não nos próximos tempos.