Três poemas para recordar António Botto
Por: Beatriz Sertório a 2024-08-16
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Há 127 anos, no dia 17 de agosto, nascia, em Abrantes, o singular António Botto. Poeta, contista e dramaturgo, ganhou notoriedade pela sua amizade com Fernando Pessoa, seu editor e tradutor, e por ter sido, juntamente com Raul Leal e Judith Teixeira, um dos autores visados de uma queima de livros ordenada pelo Governo Civil de Lisboa, que ficou conhecida como “Literatura de Sodoma”. A irreverência da sua obra, uma das primeiras a evocar o amor homossexual, valeu-lhe a ostracização e o exílio para o Brasil, onde morreu com 61 anos. Mas é também pela sua irreverência que o homenageamos hoje, com três poemas da sua autoria. Acompanhe-os com um copo de vinho; esse que Botto sonhava ter “por amante / e a morte por companheira.”
i.
Já na minha alma se apagam
As alegrias que eu tive;
Só quem ama tem tristezas,
Mas quem não ama não vive.
Andam pétalas e folhas
Bailando no ar sombrio;
E as lágrimas, dos meus olhos,
Vão correndo ao desafio.
Em tudo vejo Saudades!
A terra parece morta.
— Ó vento que tudo levas,
Não venhas á minha porta!
E as minhas rosas vermelhas,
As rosas, no meu jardim,
Parecem, assim caídas,
Restos de um grande festim!
Meu coração desgraçado,
Bebe ainda mais licor!
— Que importa morrer amando,
Que importa morrer d'amor!
E vem ouvir bem-amado
Senhor que eu nunca mais vi:
- Morro mas levo comigo
Alguma cousa de ti.
ii.
A noite,
— Como ela vinha!
Morna, suave,
Muito branca, aos tropeções,
Já sobre as coisas descia,
E eu nos teus braços deitado
Até sonhei que morria.
E via —
Goivos e cravos aos molhos;
Um Cristo crucificado;
Nos teus olhos,
Suavidade e frieza;
Damasco roxo puído,
Mãos esquálidas rasgando
Os bordões de uma guitarra,
Penumbra, velas ardendo,
Incenso, oiro, — tristeza!…
E eu, devagar, morrendo…
O teu rosto moreninho
— Tão formoso!
Mostrava-se mais sereno,
E sem lágrimas, enxuto;
Só o teu corpo delgado,
O teu corpo gracioso,
Se envolvia todo em luto.
Depois, ansiosamente,
Procurei a tua boca,
A tua boca sadia;
Beijámo-nos doidamente…
— Era dia!
iii.
Bendito sejas,
Meu verdadeiro conforto
E meu verdadeiro amigo!
Quando a sombra, quando a noite
Dos altos céus vem descendo,
A minha dor,
Estremecendo, acorda...
A minha dor é um leão
Que lentamente mordendo
Me devora o coração.
Canto e choro amargamente;
Mas a dor, indiferente,
Continua...
Então,
Febril, quase louco,
Corro a ti, vinho louvado!
— E a minha dor adormece,
E o leão é sossegado.
Quanto mais bebo mais dorme:
Vinho adorado,
O teu poder é enorme!
E eu vos digo, almas em chaga,
Ó almas tristes sangrando:
Andarei sempre
Em constante bebedeira!
Grande vida!
— Ter o vinho por amante
E a morte por companheira!