"Regresso a casa", de José Luís Peixoto
Por: Bertrand Livreiros a 2021-09-17 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa
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Para além de ser um dos romancistas de maior destaque da literatura portuguesa contemporânea, José Luís Peixoto tem também feito algumas incursões na poesia. O seu primeiro livro de poemas, A Criança em Ruínas, publicado em 2001, foi o vencedor do Prémio da Sociedade Portuguesa de Autores 2013. A esse, seguiu-se A Casa, a Escuridão no ano seguinte, e, em 2008, o livro Gaveta de Papéis, foi o vencedor do Prémio Daniel Faria.
Regresso a casa é o poema que dá o título ao quarto livro de poesia de José Luís Peixoto e fala-nos das quatro paredes de uma casa - e de todas as suas recordações em tempo de pandemia. Foi o vencedor do Prémio Livro do Ano Bertrand 2020 na categoria de poesia (escolha dos leitores e dos livreiros).
Regresso a casa, de José Luís Peixoto
Repara na manhã que nos rodeia.
Saúda essa claridade, é um sopro
a correr-nos nas veias. Em tempos,
escrevi: quando me cansei de mentir
a mim próprio, comecei a escrever
um livro de poesia. Hoje, voltei a
aprender essa lição e, por isso,
estou aqui, estamos aqui. Por isso,
acendi a existência que nos rodeia
e nos preenche, que está em toda
a parte apenas porque estamos
parados diante desta palavra:
manhã.
Repara na lonjura que se estende
no interior da letra a, é claridade,
saúda-a. Repara no til, tão tímido
como certos sorrisos nossos.
Um livro de poesia, outra vez.
Uma pequena casa, habitada
pelo nosso tempo, pelos gestos
que fazemos dentro de nós,
reflexos ou sombras invisíveis,
memórias e toda esta claridade.
Estamos vivos, repara. Um livro
de poesia, como uma trégua secreta,
uma janela, como os teus olhos
a verem-me em silêncio, ou os meus
olhos a verem-te. Um livro de poesia,
como um regresso a casa.
O poema é como uma casa,
e a casa protege-nos.
(29 de março de 2020)