A efemeridade de tudo
Por: Marisa Sousa a 2022-07-14 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa
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Na rádio passava “Dust in the Wind”, gravada pelo grupo Kansas em 1977 e, após sugestão de um amigo, Leonardo Padura soube que tinha acabado de encontrar o título para o seu novo romance: 627 páginas que nos recordam da efemeridade de tudo isto. Com ele, aterramos na quente complexidade de Cuba e, percorrendo uma linha temporal de 1990 até aos dias de hoje, somos apresentados ao Clã, um grupo de amigos que, em tempos, acreditaram estar unidos para sempre.
A ilha, sempre a ilha, a traçar os limites das vidas: dos que permanecem, dos que partem, dos que desejam partir, dos que foram e querem voltar, dos que se perdem entretanto. O exílio, tema recorrente na obra de Padura, uma quase obsessão, visto, de acordo com as suas próprias palavras, sob uma perspetiva “abrangente e visceral”. Pelo meio, a sensualidade, a música, os cheiros, a gastronomia, as paixões, a temperar uma inevitável reflexão sobre a vida e sobre a amizade.
“Sou cubano dos quatro costados, desde os meus tetravós, pelo menos, e este é o meu país e a minha cultura. E eu preciso desta realidade para escrever. Se não fosse escritor, talvez tivesse emigrado. Mas sou escritor, um escritor cubano, um escritor cubano que precisa de Cuba para escrever.”
in declarações ao Página 12
O desmembrar do Clã é, afinal, a história de tantos que se viram fragmentados, com as vidas carimbadas por outras geografias: Estados Unidos, Porto Rico, Argentina, Espanha e França. Mas “há sempre alguém que resiste” — na vida e no romance. Clara, a que fica, é pela sua permanência, a personagem em que Padura mais se revê. Além de Clara, outras duas personagens principais são femininas, ao contrário do que costuma acontecer nos seus romances. “Tenho de ter muito cuidado quando estou a criar personagens femininas, porque as mulheres são um mistério”, confessou o autor numa entrevista.
Apesar de ter procurado evitar leituras políticas redutoras, para que estas não se sobrepusessem aos dramas sociais das suas personagens, a crítica relativamente à situação económica e social de Cuba é, para o autor, inevitável, dentro e fora da história. Este é, definitivamente, um romance em que vale a pena parar para respirar. Inevitavelmente, vem-nos à memória alguns versos dos OK Go em “This Too Shall Pass”: “When the morning comes / Let it go, this too shall pass.”
“Esta é a história da minha geração e a história contemporânea de Cuba. (…) possivelmente é o meu livro mais polémico.”
in Rádio Renascença