Isabel Machado: "O Infante D. Pedro foi uma mente brilhante, inquieta e com muita ambição."
Por: Sónia Rodrigues Pinto a 2021-06-09 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa
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"Mas, pera defensão dos Lusitanos, / Deixou, quem o levou, quem governasse / E aumentasse a terra mais que dantes: / Ínclita geração, altos Infantes." As palavras de Luís de Camões n'Os Lusíadas remontam a uma época de grande prestígio na História de Portugal. Os seis filhos de João I e Filipa de Lencastre foram sempre conhecidos pelo seu elevado grau de educação e sabedoria. No entanto, poucos são aqueles que destacam o infante D. Pedro, regente após a morte do irmão mais velho, D. Duarte, até o sobrinho ter idade para subir ao trono. Pedro, que viria a ficar conhecido pelo Infante das Sete Partidas, procurou trazer notoriedade a Portugal com as suas ideias visionárias e acabou traído e desvalorizado, figurando a lista dos esquecidos pela História.
Em Infante D. Pedro, a autora Isabel Machado recorda o desejo de D. Pedro de transformar o país desde tenra idade, acreditando que "Portugal pode ser moldado com ambição, para alcançar a grandeza dos outros". Um infante que sonhava fazer tudo por Portugal e que, no final, não foi capaz de ultrapassar as conveniências políticas e o ódio dos que o rodeavam.
De onde nasceu o seu interesse pelo romance histórico?
O meu interesse por História sempre existiu por influência do meu pai. A ficção faz parte dos meus interesses desde muito nova, aprofundados na Faculdade de Letras. Gosto muito de romance histórico e quando me surgiu a oportunidade de me lançar nessa aventura, desafiada por uma editora, não hesitei e disse logo que sim. Senti que estaria à vontade nesse registo, mas não foi fácil. É preciso muita dedicação e uma pesquisa preliminar aturada, que nunca abandono verdadeiramente ao longo de todo o processo de escrita. Embora o romance histórico seja ficção, gosto de respeitar a História e sou muito minuciosa com isso.
Nas notas introdutórias deste romance, a Isabel refere que não existe uma biografia completa sobre o infante D. Pedro, tornando o processo de investigação difícil e demorado. Terá sido Infante D. Pedro o livro mais desafiante ao longo da sua carreira enquanto escritora?
É sempre desafiante pegar numa personagem histórica e dar-lhe vida, transformando-a numa personagem de carne e osso, com ampla liberdade criativa, mas, ao mesmo tempo, com muita contenção. Julgo que, em nome da criatividade, não se deve desvirtuar a essência de quem foi aquela pessoa, de como se vivia e pensava na época. Esse cuidado nunca me larga. A coerência e consistência das personagens é muito importante para mim. Gosto muito do trabalho das personagens.
O romance Infante D. Pedro foi, sem dúvida, muito especial. Muito desafiante também. Queria muito trazê-lo ao conhecimento geral dos leitores por ser uma figura fascinante, de uma lucidez e inteligência raras, um homem de enorme coragem que, infelizmente, foi ficando menos conhecido. É preciso lembrar quem ele foi e tudo o que fez por Portugal.
Nas suas obras anteriores, é impossível ignorar o destaque dado a algumas das grandes rainhas europeias, desde a Rainha Vitória, de Inglaterra, à nossa Rainha Santa Isabel. Também em Infante D. Pedro encontramos mulheres fortes, influenciadoras nas principais decisões dos seus maridos. Este destaque é propositado?
As mulheres sempre tiveram papéis muito destacados nas cortes. Mesmo que não tivessem poder direto, exerciam-no de muitas outras formas, nomeadamente através da enorme influência que podiam ter nos maridos e nos filhos. No caso deste romance, voltei a querer mostrar isso mesmo. O infante D. Pedro viveu rodeado de mulheres fortes com quem tinha uma ligação muito próxima, como a mãe, D. Filipa de Lencastre, mas, sobretudo, a sua irmã Isabel, que irá ser duquesa de Borgonha. É um laço muito bonito o que une estes dois irmãos.
Para além disso, há um pormenor interessante, ainda para mais tratando-se do século XV e de um filho de rei que deveria casar apenas por interesse político. Na realidade, D. Pedro vai escolher a mulher com quem casa, reforçando as suas ideias firmes. É muito engraçada a forma como ele escolhe D. Isabel de Urgel com quem, acredito, teve uma união de amor. Depois, há ainda as filhas, sobretudo Isabel, que será rainha de Portugal e mulher de D. Afonso V. Nutria um enorme amor ao pai, comprovado durante a longa e corajosa defesa em reabilitação da sua memória, depois da morte do infante, numa corte que lhe era hostil.
Retrato do infante D. Pedro, segundo filho de D. João I e de D. Filipa de Lencastre.
© Legrand / Biblioteca Nacional de Portugal, cota E. 5031 P.
"É fascinante ler o que D. Pedro deixou escrito sobre Portugal e os portugueses — os nossos vícios enquanto povo, os entraves que impedem que o país avance, a falta de reformas profundas que se arrasta pelos séculos. Muitas coisas podiam ter sido escritas hoje, 600 anos depois!" Isabel Machado
“O apelo das viagens ardia-lhe no espírito ansioso de conhecimento.” (Pg. 44) D. Pedro ficou conhecido como o Infante das Sete Partidas, tendo viajado e conhecido as principais cortes da Europa e visitado, inclusive, a Terra Santa. A Isabel, por seu lado, fez o 12.º ano nos Estados Unidos da América e viveu vários anos em Macau. Quanto há da autora na personalidade ficcionada de D. Pedro?
Alguém disse que os escritores estão sempre a falar de si próprios na ficção. Talvez pareça uma afirmação extrema tendo em conta que, no romance histórico, estamos rodeados de gente que viveu num tempo muito diferente do nosso. A verdade é que a essência da natureza humana não mudou. Todas as escolhas que fazemos na ficção, desde a forma como destacamos mais um aspeto do que outro, as características que escolhemos para a salientar e até a forma como a escrevemos, não pode deixar de revelar também a nossa própria vivência, ainda que de forma velada. Há coisas em que me identifico com D. Pedro, sem dúvida. Talvez por ter vivido fora muitos anos, há outra capacidade de olhar para o que nos rodeia com sentido crítico.
Devo dizer, ainda assim, que D. Pedro não foi até à Terra Santa. Sabe-se hoje que isso correspondeu a uma ideia muito generalizada no século XIX entre os escritores românticos (e não só). D. Pedro foi até à fronteira da Cristantade como cruzado ao serviço do imperador Segismundo, para lutar contra os otomanos, mas não chegou à Terra Santa. Esta foi outra dificuldade da pesquisa, uma vez que há muita mitificação em torno dessa viagem.
“Mas é preciso abrir as mentes e olhar para fora. Conhecemos os casos dos outros, que alcançaram mais do que nós. Devíamos trazer, de lá para cá, as ideias que podem levar à mudança. (…) Mas a mudança não é estimada por todos.” (Pg. 35) D. Pedro é apresentado como um homem erudito e viajado. Desde tenra idade que deseja a mudança em Portugal e na monarquia que serve. Podemos dizer que D. Pedro estava à frente do seu tempo?
Em muitos aspetos, sem dúvida. É fascinante ler o que D. Pedro deixou escrito sobre Portugal e os portugueses — os nossos vícios enquanto povo, os entraves que impedem que o país avance, a falta de reformas profundas que se arrasta pelos séculos. Muitas coisas podiam ter sido escritas hoje, 600 anos depois! Foi uma mente brilhante, inquieta e com muita ambição, mas que sentiu imensas dificuldades porque, muitas vezes, estava desfasado do mundo que o rodeava em Portugal.
No entanto, devo dizer que D. Pedro podia ter ficado a viver na Europa, onde foi aliciado com todas as riquezas e honrarias. Mas quis regressar. Esta era a sua terra.
Quer partilhar com os nossos leitores algumas curiosidades que descobriu durante o processo de pesquisa e preparação deste livro?
Foi muito curioso perceber a dinâmica entre os irmãos, príncipes de Avis, que não nos é dada nas escolas, onde a Ínclita Geração é apresentada como perfeita. Eram geniais, sim, mas humanos, com imensos defeitos e fragilidades e com relacionamentos muito diferentes entre si. Quis muito explorar isso no romance. Mas a maior surpresa foi, sem dúvida, a personalidade do infante D. Henrique. Fiquei pasmada e julgo que os leitores também ficarão!
Se pudesse viajar no tempo, a que época da História regressaria e que monarcas desejaria conhecer pessoalmente?
Escolheria viajar até ao século XV e conhecer o infante D. Pedro, sem qualquer hesitação. No caso de monarcas, talvez D. Dinis e D. Pedro V.
Opinião dos leitores