Uma ocasião para a poesia de Jorge Luís Borges
Por: Bertrand Livreiros a 2022-10-20 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa
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Em “O enigma da Poesia”, diz Borges: “«Bebendo» poesia cheguei a uma conclusão final sobre ela. (…) a vida é, tenho a certeza, feita de poesia. A poesia não nos é alheia — a poesia espreita, como veremos, a cada esquina. Pode saltar-nos em cima a qualquer momento. (…) os livros são apenas ocasiões para a poesia.”
É precisamente uma dessas maravilhosas ocasiões para a poesia que a Quetzal nos oferece com o recente Poesia Completa, de Jorge Luís Borges, de onde retiramos dois poemas para perfumar esta quinta-feira.
As ruas de Buenos Aires
são já as minhas entranhas.
Não as ávidas ruas,
incómodas pla turba e pela azáfama,
mas sim as ruas monótonas do bairro,
quase invisíveis de tão habituais,
enternecidas de penumbra e ocaso,
e as outras mais longe,
alheias, de árvores piedosas
onde austeras casinhas mal se aventuram,
enevoadas por imortais distâncias,
perdendo-se em recôndita visão
de céu e de planície.
São para o solitário uma promessa
porque milhares de almas singulares as povoam,
únicas perante Deus e no tempo
e decerto preciosas.
Para o oeste, o norte e o sul
desdobraram-se – e são também a pátria – as ruas;
- in As Ruas
Hão de erguer-se entre o meu amor e eu
rezentas noites quais trezentos muros
e o mar será magia entre nós dois.
Apenas haverá recordações.
Oh tardes merecidas pela pena,
noites esperançadas ao olhar-te,
campos do meu caminho, firmamento
que vejo e vou perdendo…
Definitiva como mármore,
a tua ausência irá entristecer outras tardes.
- In Despedida