"O amor bate na aorta", de Carlos Drummond de Andrade
Por: Bertrand Livreiros a 2020-10-29 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa
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Nascido em Itabira, no Brasil, em 1902, Carlos Drummond de Andrade foi contista, cronista e um dos principais poetas da segunda geração do Modernismo brasileiro. Como poeta, estreia-se em 1930 com Alguma Poesia, obra à qual se seguem Poesia até Agora e Fazendeiro do Ar (1955), onde se reúne, entre outros, A Rosa do Povo (1945), uma das obras mais expressivas do movimento modernista brasileiro. Como contista, é mais conhecido pelo livro Contos de Aprendiz (1951), escrito com o humor e ironia que são tão característicos da sua ficção.
O amor bate na aorta, dedicado a esse sentimento que, segundo Drummond de Andrade, é bicho instruído, é um dos seus poemas mais conhecidos e declamados. Recordamo-lo na semana em que comemoramos 118 anos do nascimento do poeta (a 31 de outubro).
O amor bate na aorta, de Carlos Drummond de Andrade
Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.
Meu bem, não chores,
hoje tem filme do Carlito.
O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.
Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.
Amor é bicho instruido.
Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca,
às vezes sara amanhã.
Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo corpos, vejo almas
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender…