"Lágrima de preta", de António Gedeão
Por: Bertrand Livreiros a 2020-06-05 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa
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António Gedeão é o pseudónimo de Rómulo Vasco da Gama Carvalho, nascido em Lisboa em 1906. Poeta, autor dramático, cientista e historiador, foi saudado por David Mourão-Ferreira como uma voz "inteiramente nova" no panorama poético dos anos 50.
Em 1961, publica o livro Máquina de Fogo, do qual faz parte o poema "Lágrima de Preta", que seria musicado por José Niza, e cantado por Adriano Correia de Oliveira, em 1970. Apesar de a canção ter sido proibida pela censura na altura, o poema permanece um dos mais magníficos hinos à igualdade, sem sinais de negro, nem vestígios de ódio. E é mais atual do que nunca.
Lágrima de preta, de António Gedeão
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.