"Exercícios de ser criança", de Manoel de Barros
Por: Bertrand Livreiros a 2020-09-17 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa
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Quando escrevia, o poeta brasileiro Manoel de Barros pedia emprestado às crianças a sua liberdade para utilizar a linguagem de forma maleavél, sem se preocupar com obedecer às leis da lógica ou da gramática. Num dos poemas publicados no seu O Livro das Ignorãças, escreve: “O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos./ A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som./ Então se a criança muda a função do verbo, ele delira.” A partir daquilo a que chamava de “criançamento” das palavras, Manoel, como as crianças, conseguia fazer um verbo “delirar ”, isto é, transformar o seu sentido.
Este seu Exercícios de ser criança é um de vários poemas que dedicou a esse território mágico que era para ele a infância, pois, como escreve o poeta, "com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende com as crianças."
Exercícios de ser criança, Manoel de Barros
No aeroporto o menino perguntou:
– E se o avião tropicar num passarinho?
O pai ficou torto e não respondeu.
O menino perguntou de novo:
– E se o avião tropicar num passarinho triste?
A mãe teve ternuras e pensou:
Será que os absurdos não são as maiores virtudes da poesia?
Será que os despropósitos não são mais carregados de poesia do que o bom senso?
Ao sair do sufoco o pai refletiu:
Com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende com as crianças.
E ficou sendo.