O Ponto de Interrogação entrevista Fernando Pessoa

Por: Bertrand Livreiros a 2020-05-08 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa

Fernando Pessoa

Fernando Pessoa

Um dos maiores génios poéticos de toda a nossa literatura, conhecido mundialmente. A sua poesia acabou por ser decisiva na evolução de toda a produção poética portuguesa do século xx. Se nele é ainda notória a herança simbolista, Pessoa foi mais longe, não só quanto à criação (e invenção) de novas tentativas artísticas e literárias, mas também no que respeita ao esforço de teorização e de crítica literária. É um poeta universal, na medida em que nos foi dando, mesmo com contradições, uma visão simultaneamente múltipla e unitária da vida. É precisamente nesta tentativa de olhar o mundo duma forma múltipla (com um forte substrato de filosofia racionalista e mesmo de influência oriental) que reside uma explicação plausível para ter criado os célebres heterónimos – Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, sem contarmos ainda com o semi-heterónimo Bernardo Soares.
Fernando Pessoa nasceu em Lisboa em 1888 (onde virá a falecer) e aos 7 anos partiu para a África do Sul com a sua mãe e o padrasto, que foi cônsul em Durban. Aqui fez os estudos secundários, obtendo resultados brilhantes. Em fins de 1903 faz o exame de admissão à Universidade do Cabo. Com esta idade (15 anos) é já surpreendente a variedade das suas leituras literárias e filosóficas. Em 1905 regressa definitivamente a Portugal; no ano seguinte matricula-se, em Lisboa, no Curso Superior de Letras, mas abandona-o em 1907. Decide depois trabalhar como «correspondente estrangeiro». Em 1912 estreia-se na revista A Águia com artigos de natureza ensaística. 1914 é o ano da criação dos três conhecidos heterónimos e em 1915 lança, com Mário de Sá-Carneiro, José de Almada Negreiros e outros, a revista Orpheu, que dá origem ao Modernismo. Entre a fundação de algumas revistas, a colaboração poética noutras, a publicação de alguns opúsculos e o discreto convívio com amigos, divide-se a vida pública e literária deste poeta.
Pessoa marcou profundamente o movimento modernista português, quer pela produção teórica em torno do sensacionismo, quer pelo arrojo vanguardista de algumas das suas poesias, quer ainda pela animação que imprimiu à revista Orpheu (1915). No entanto, quase toda a sua vida decorreu no anonimato. Quando morreu, em 1935, publicara apenas um livro em português, Mensagem (no qual exprime poeticamente a sua visão mítica e nacionalista de Portugal), e deixou a sua famosa arca recheada de milhares de textos inéditos.

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Olá! Eu sou o Ponto de Interrogação.

Como sabem, eu adoro perguntas, até as dos testes de avaliação. Porém, nos últimos tempos, insistem em perguntar-me algo muito maçador: “O que queres ser quando fores grande?”. Eu acho que ainda tenho muito tempo para decidir, mas os adultos são muito apressados e, como estou quase a ir para a escola dos grandes, dizem que é tempo de começar a pensar no assunto… Bem, para não ficar sem resposta, ontem fui jogar basquetebol com os meus amigos para esvaziar a cabeça e ponderar esta situação.


Convidei os Dois Pontos e o Travessão, que são muito bons a ouvir desabafos. Disseram-me que o mais importante era escolher algo que me fizesse feliz. Percebi que, no meu caso, teria de ser algo que me permitisse fazer muitas perguntas e satisfazer a minha curiosidade. O Ponto e Vírgula, que é youtuber, ajudou-me a pesquisar profissões com estas características na internet. Encontrámos várias: filósofo, cientista, detetive, jornalista… Como ainda tenho alguns anos até me pedirem uma decisão final, decidi experimentar um pouco de tudo até descobrir a minha vocação. Foi assim que surgiu a ideia de iniciar uma rubrica de entrevistas. É a primeira vez que tento ser jornalista, mas penso que tenho aquilo que é preciso: curiosidade e muita vontade de aprender!


Fernando Pessoa – F. P. 
Ponto de Interrogação – P. I. 

P. I. – Boa tarde, caros leitores! Hoje, temos connosco o poeta Fernando Pessoa, um dos maiores autores da literatura portuguesa. Seja muito bem-vindo, Sr. Fernando. Como está?
F. P. – Boa tarde, Ponto de Interrogação. O Álvaro e o Fernando estão um pouco angustiados, mas o Alberto está a tentar despreocupá-los, pelo que, no geral, posso afirmar que estou bem.

P. I. – Penso que acabou de abrir caminho para a minha primeira pergunta. É verdade que o Senhor Pessoa tem várias pessoas dentro de si? 
F. P. – Caro amigo, todos somos feitos de perguntas, de pontos de interrogação iguais a si em busca de respostas. Enquanto não as encontrarmos (eu nunca as encontrei), não podemos afirmar que somos apenas uma pessoa. Somos introvertidos e extrovertidos, simpáticos e antipáticos, felizes e infelizes… Bem, como sinto muitas coisas opostas, decidi organizar-me em diferentes pessoas quando escrevo. É muito mais fácil. No entanto, como lhe disse, não sou diferente de si – todos temos várias personalidades. O Fernando Pessoa são várias pessoas numa só, que se materializam em palavras. 

P. I. – Ah! Como quando os meus amigos da escola dizem que eu sou muito tímido e os do basquetebol dizem que nunca me calo… Acho que estou a entender. É isso a “heteronímia”?
F. P. – Sim. A heteronímia é a criação de personagens que assinam as obras de um autor. Os meus heterónimos principais (Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis) têm uma personalidade própria, bem como uma biografia. Não são apenas nomes diferentes para o que escrevo, como um pseudónimo – os meus heterónimos têm data de nascimento, profissão, gostos… Escrevi, inclusive, cartas em nome deles. 

 

Estátua de Fernando Pessoa no café A Brasileira, em Lisboa // Wikimedia Commons.

 

P. I. – Vejo que escreveu muito. Onde o fazia?
F. P. – Em todo o lado – as ideias não escolhem um sítio nem um momento para surgirem. Por vezes, quando estamos na rua, nasce um poema e temos de o escrever. Em casa é muito mais prático, principalmente porque tinha uma arca onde guardava todos os papéis que rabiscava. Também costumava escrever no café A Brasileira, no Chiado. Conhece? É na rua da livraria mais antiga do mundo, a Bertrand do Chiado!

P. I. – Conheço perfeitamente. Há uma estátua sua à entrada. Consegue falar-nos um pouco de si e daquilo que escreveu?
F. P. – Conhecem-me essencialmente pela minha poesia, mas também escrevi prosa, teatro, ensaios, críticas e até obras policiais. Atualmente, estudam a minha obra em todo o mundo e escrevem sobre aquilo que eu escrevi, pelo que é muito fácil saber mais sobre mim. Há pessoas cujo trabalho é analisar os meus poemas e a minha vida; são especialistas em Fernando Pessoa. Tenho muita pena dessas pessoas por duas razões: primeiro, porque me acho muito confuso – nem eu me considero especialista em Fernando Pessoa; segundo, porque a minha letra é muito feia e, por vezes, veem-se gregos para decifrar o que escrevi…. Aconselho todos os meus leitores a treinarem a caligrafia. Quem sabe se não se tornam também um fenómeno da literatura! O melhor é prevenir. 

P. I. – A minha professora da escola também me diz que não percebe a minha letra… A partir de agora, vou ter mais cuidado. Voltando à sua obra, pode dizer-me se também tem coisas escritas para crianças?
F. P. – Ah! Crianças!... Lembro-me de ter escrito estes versos: «Quando as crianças brincam/ E eu as oiço brincar,/ Qualquer coisa em minha alma/ Começa a se alegrar.». Quando a minha sobrinha, a Manuela, era pequena, passávamos muito tempo a brincar. O nome da personalidade literária que representa o meu lado mais infantil é “Íbis”. Para além disso, tenho vários outros poemas que não são propriamente para crianças, mas sim sobre crianças. Os meus especialistas dizem que a temática desses poemas é a “Nostalgia de Infância”, isto é, são versos em que explico que ser criança é a melhor coisa do mundo! 

P. I. – Muito obrigado por esta agradável conversa! Para terminar, pedi às minhas amigas Aspas que citassem um dos seus poemas. No seguimento da pergunta anterior, escolhemos um dos poemas que assinou com a sua personalidade literária Íbis

Aspas:

«O Íbis, ave do Egipto,
Pousa sempre sobre um pé
(O que é
Esquisito).
É uma ave sossegada
Porque assim não anda nada.

Uma cegonha parece
Porque é uma cegonha.
Sonha
E esquece —
Propriedade notável
De toda ave aviável.

Quando vejo esta Lisboa,
Digo sempre, Ah quem me dera
(E essa era
Boa)
Ser um íbis esquisito,
Ou pelo menos estar no Egipto.»

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