Valter Hugo Mãe: “Os livros significam, essencialmente, que não nos escondemos de nada”

Por: Bertrand Livreiros a 2019-12-09 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa

Valter Hugo Mãe

Valter Hugo Mãe

Valter Hugo Mãe é um dos mais destacados autores portugueses da actualidade. A sua obra está traduzida em variadíssimas línguas, merecendo um prestigiado acolhimento em muitos países.
Autor dos romances: Deus na escuridão, As doenças do Brasil, Contra mim (Grande Prémio de Romance e Novela - Associação Portuguesa de Escritores); Homens imprudentemente poéticos; A Desumanização; O filho de mil homens; a máquina de fazer espanhóis (Prémio Oceanos); o apocalipse dos trabalhadores; o remorso de baltazar serapião (Prémio Literário José Saramago) e o nosso reino. Escreveu alguns livros para todas as idades, entre os quais: Contos de cães e maus lobos, O paraíso são os outros, As mais belas coisas do mundo, Serei sempre o teu abrigo e A minha mãe é a minha filha. A sua poesia encontra-se reunida no volume publicação da mortalidade. Publica a crónica Autobiografia Imaginária, no Jornal de Letras, e Cidadania Impura, na Notícias Magazine. Com excepção da poesia, que tem chancela Assírio & Alvim, toda a sua obra está publicada pela Porto Editora.

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Esta é a segunda parte da entrevista a Valter Hugo Mãe para a revista Somos Livros . Se ainda não leu, descubra a primeira parte aqui

Traz o sotaque carioca a dançar-lhe na ponta das palavras, das cada vez mais frequentes idas ao Brasil. Tomando emprestadas as palavras de Ruy Belo , ouvi-lo falar é como ter à nossa frente todo o tempo . Ativo militante do amor e da poesia, aos 48 anos, deixa-nos a sensação de já só se preocupar com o que é realmente importante. Valter Hugo Mãe, uma alma maiúscula num corpo imprudentemente poético.

 


 

"Escrevo livros sobre o que me agride e preciso de entender" , disse. O que acontece depois, terminado o livro: encontra as respostas ou ficam-lhe ainda mais dúvidas a correr pela casa?

Por vezes, pontualmente, algo fica apaziguado, como se me bastasse a resposta encontrada. A maioria das vezes, no entanto, há sobretudo uma certeza de ter passado pelas questões essenciais, capacitando-me para a sua inevitabilidade. Talvez lhes responda quando me competirem. Quando a vida me colocar o desafio, tendo antecipado a questão, a emoção pode responder com maior facilidade. Os livros significam, essencialmente, que não nos escondemos de nada. Ler um livro é passar pela profundidade de um qualquer pensamento, o que implica a coragem de vertermos sobre o coração cada gesto e cada ideia escritos. Os leitores são terreno, plantio vasto dos livros, florestando a mais ampla parte do espírito.

 

Qual foi o comentário mais bonito que fizeram à sua escrita? E o menos agradável?

Pediram-me que assinasse dois exemplares de O Filho de Mil Homens para cada filha porque o que ali estava escrito era o que mais queriam deixar de herança. Disse-me: “ Se não puder deixar mais nada às minhas filhas, não faz mal. Tudo o que importa deixar está dentro deste livro. É isto que quero que saibam de mim e do mundo inteiro”.

 

Um senhor escreveu-me, no dia do meu aniversário, a dizer que sou tão imbecil que era uma pena não se estar a celebrar a minha morte. Enfim, é mais um problema mental que deve ter do que uma imbecilidade minha, mas deve ter sido a coisa mais feia que me quiseram dizer até hoje.

 

O que nos pode contar acerca do seu novo livro?

Acontece numa comunidade imaginária numas ilhas da Amazónia. Narrado por um curumim , um menino. Fala de certo encontro dos chamados povos indígenas com os povos negros.

 

"Eu tenho uma certa nostalgia dessa descoberta, desse tempo em que os autores eram, de alguma forma, todos novos para mim. O assombro de encontrar os seus universos e de descodificar os seus mundos…"  Ainda se consegue deslumbrar com a escrita dos outros?

Cada vez menos. Acontece mais com a poesia. Enfim, sempre aconteceu mais com a poesia. Mas é verdade que conhecer as fórmulas prévias nos baixa o entusiasmo com aquilo que vai abundando. Vivo mais atento ao ensaio e às artes não literárias. Fascinam-me a pintura, a música. O cinema parece-me menos vibrante do que foi até 2000. Estamos numa fase cansada em que predominam as séries, quase necessariamente narrativas levadas ao extremo do tédio e da incoerência.

 

O que anda a ler?

Venho lendo apenas textos acerca dos povos originários do Brasil. Vários ensaios de História, várias entrevistas. Quando a oficina dos meus romances se adensa, consulto apenas, já não consigo ler outras ficções. Fico imerso no meu mundo. Fico ainda com os poetas. A obra do José Agostinho Baptista, que foi coligida recentemente, e que é brilhante; a estreia de Jean Portante em Portugal; o César Vallejo completo que comprei numa viagem ao Peru; ainda estou impressionado com o primeiro livro de Emanuel Madalena; e mantenho muitos dos livros que trouxe do Irão junto da cama. Hafez e Rumi fazem-me muita companhia desde então.

 

Quem figura na sua lista de autores imprescindíveis?

Marcel Proust e Franz Kafka, Lautréamont e Aleister Crowley, Herberto Helder e Sharon Olds, Vasko Poppa, Henri Michaux, Luís Miguel Nava, Isabel de Sá, Jorge de Lima, Mahfúd Massís, Rumi, Oliverio Girondo. Esta lista muda a cada segundo. Esta pergunta é sempre tão irresistível quanto cruel.

 

"Imagina eu, que escrevi um livro cujo nome é o filho de mil homens, e não tenho um filho que possa herdá-lo? Esse livro escrachou a minha ansiedade. Então eu pretendo organizar a minha vida e pretendo tentar adotar uma criança."  Está preparado para esse seu poema maior?

Alguém pode assegurar-se de estar preparado para isso? A vida é à deriva no que respeita à poesia, digamos assim. Ansiamos pelo poema mas nunca o haveremos de dominar. É o ponto fulcral de tudo quanto verdadeiramente importa e nos leva a uma potenciação. Somos sempre pequenos antes do poema, como antes dos filhos.

 

 

"Eu sobrevivo, glorifico e submeto o mundo inteiro com um só verso."
 
 
“Ser o que se pode é a felicidade" ( O Filho de Mil Homens ). É feliz?

Tenho a felicidade mais barata do mercado. Sou lúcido. Consigo aceitar a existência. É o bastante.

 

"Quando for grande quero ser longe.” (in A Desumanização ) O que quer ser quando for grande?

Estou com 48 anos e julgo que já me sinto bastante longe, no sentido em que também já me feri o bastante para me isolar mais do que alguma vez previ. Sou grande o suficiente para ser longe dentro de mim. Gostaria de não amargurar. Quero viver o tempo que me restar capaz de sorrir e capaz da gentileza.

 

Que medos ainda guarda?

Nunca me senti bem no escuro. Sigo assim. Suspeito da presença de fantasmas. Exactamente como em criança. Espero sempre que nasçam monstros no que não se vê.

 

Confesse-nos um guilty pleasure .

A exaustão faz-me falhar compromissos com pequenos textos. Em alturas em que fico exasperado, por ter tanta gente a pressionar-me para entregar breves escritos, fecho-me e ouço as sinfonias de Mahler. Fico quieto, o telefone desligado, a vida inteira volta a fazer sentido e eu saio paulatinamente do desespero para o deslumbre de existir. É meu modo de trocar a culpa pela aceitação do erro. Estou quase sempre no meu limite. Sinto vontade de ajudar toda a gente, por vezes destruo-me completamente com isso.

 

Há uma música que seria a banda sonora perfeita da sua vida?

Teria de ser barroca. Bach, entre as Paixões. Sou feito daquele drama belo, a adoração, as vozes. Neste último ano, tenho estado obcecado com Thomas Tallis e seu “ Spem in Alium “. Depois de uma instalação que ouvi no Vale de Inhotim, desenvolvi uma necessidade de perseguir o rapaz soprano que passa naquele bando de vozes como se, aqui e ali, voasse mais alto, ensinasse o voo aos demais, aos mais velhos.

 

Como gostaria de ser recordado daqui a 100 anos?

Não consigo decidir o que lhe responder. Tenho dúvidas de que os vindouros sejam mais boa gente do nós. Finalmente, tenho sérias dúvidas de que me entenda com as pessoas que distam 100 anos no futuro. Com algumas, certamente. Talvez gostasse que soubessem que eu tentei. Tentei de verdade, enquanto em meu redor o que mais vi foi agressão, uma solidão profunda. Os livros contam-no claramente.

 

Que pergunta nunca lhe fizeram?

Julgo que já me perguntaram tudo o que fica antes um nada do absurdo. Não costumam perguntar sobre encontros. Acho valioso lembrar os instantes que a sorte nos deu com tanta gente. Ter falado com Cesariny ou Peter Greenaway, ter falado com Ferreira Gullar ou Adonis, Saramago ou Sophia, ter falado com o querido Urbano Tavares Rodrigues e tanto com o mestre Artur do Cruzeiro Seixas, Lou Reed ou Baby Dee, David Tibet, Maria Kodama, Pilar del Río, Mike Leigh, Fernando Lopes. Tanta gente. Como Sigeru Umebayashi e Saga Kobayashi. Como Chico Buarque e Caetano Veloso ou Chico César e Teresa Salgueiro. E a memória de tanta gente desconhecida que me maravilha. A vida vale pelos outros. Tenho dúvida nenhuma. Essas são as perguntas mais urgentes. As que lembram as pessoas, para que nos lembremos que as pessoas são o centro absoluto da arte, o centro absoluto de tudo.

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