Recordar Variações: na tela e nos livros

Por: Beatriz Sertório a 2019-09-06 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa

Manuela Gonzaga

Manuela Gonzaga

Natural do Porto, onde nasceu a 1951, Manuela Gonzaga viveu dos 12 aos 24 anos em África – Moçambique e Angola –, onde nasceram os seus filhos mais velhos, respetivamente André e Marta. De regresso a Portugal, em 1974, onde lhe nasceram os seus dois outros filhos, Bernardo e Paulo, a autora foi jornalista até ao ano 2000, quando passou a desenvolver a atividade de escritora e historiadora a tempo inteiro. Mestre em História da Expansão e doutoranda em História Contemporânea na Faculdade de Ciências da Universidade Nova de Lisboa, a autora desenvolve trabalho académico nas áreas de Estudos da Mulher, Mentalidades(séculos XX e XXI) e Expansão (séc. XVI a XVIII). Prémio Femina/Matriz Portuguesa em 2021; Membro de Honra da Unión Hispanomundial de Escritores UHE Moçambique; Membro Honorário do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora, Manuela Gonzaga habituou-nos, no seu registo literário, a uma escrita profundamente sedutora e muito rigorosa, cruzando tempos, modos e geografias. A presença de África, de forma mais ou menos explícita, perpassa grande parte da sua obra. Muitos dos seus livros (romance, contos, biografia, literatura infantojuvenil) estão editados e traduzidos em francês.

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António Variações

António Variações

António Variações, nascido António Joaquim Rodrigues Ribeiro a 3 de dezembro de 1944, em Fiscal, Vila Verde, foi um dos artistas mais inovadores e influentes da música portuguesa. Conhecido pela sua imagem excêntrica, estilo único e a sua capacidade de fundir diferentes géneros musicais, António Variações tornou-se uma verdadeira lenda na cultura portuguesa, apesar da sua carreira curta.

Variações cresceu numa pequena aldeia do Minho, em Portugal, numa família humilde. Desde cedo, mostrou um interesse pela música, mas foi só na juventude, quando se mudou para Lisboa, que começou a explorar seriamente as suas ambições artísticas. Após cumprir o serviço militar, emigrou para Londres e depois para Amesterdão, onde trabalhou como barbeiro e começou a desenvolver a sua estética artística, inspirando-se nas cenas culturais e musicais vibrantes destas cidades.

Ao regressar a Portugal no final dos anos 1970, António Variações começou a ganhar notoriedade pela sua aparência extravagante e pelas suas ideias musicais arrojadas, que contrastavam com a cultura conservadora da época. O seu estilo visual, que misturava elementos tradicionais portugueses com influências punk e new wave, rapidamente o destacou como uma figura única no panorama cultural português.

Foi em 1982 que Variações lançou o seu primeiro single, "Povo Que Cais Descalço" e "Estou Além", que captaram a atenção do público e da crítica. As suas canções combinavam influências da música popular portuguesa, fado, e música folclórica com o som moderno do rock e da new wave, criando algo totalmente novo e original. As letras introspectivas e, por vezes, enigmáticas, exploravam temas de identidade, amor e liberdade, ressoando com uma geração que vivia as transformações sociais do pós-25 de Abril.

Em 1983, António Variações lançou o seu primeiro álbum, Anjo da Guarda, que incluía canções emblemáticas como "O Corpo é Que Paga", "É P'ra Amanhã" e "Visões-Ficções". O álbum foi um sucesso imediato, tanto pela sua inovação musical quanto pela originalidade das suas apresentações ao vivo. A música de Variações era ao mesmo tempo profundamente enraizada na cultura portuguesa e audaciosamente moderna, rompendo com as tradições musicais e culturais da época.

No ano seguinte, em 1984, lançou o álbum Dar & Receber, que seria o seu último trabalho de estúdio. Este álbum incluía alguns dos maiores êxitos de Variações, como "Canção de Engate", "Sempre Ausente" e "Dar e Receber". A sua capacidade de transformar emoções complexas em canções simples e cativantes consolidou-o como um dos maiores artistas da sua geração.

Infelizmente, a carreira de António Variações foi tragicamente curta. Ele faleceu a 13 de junho de 1984, aos 39 anos, em Lisboa, vítima de complicações relacionadas com o VIH/SIDA, uma doença que, na altura, era pouco compreendida e altamente estigmatizada. A sua morte prematura chocou o país e deixou um vazio na música portuguesa.

Apesar da sua breve carreira, António Variações deixou um legado duradouro. Ele é amplamente considerado um dos primeiros artistas a trazer uma abordagem verdadeiramente moderna e cosmopolita à música portuguesa, abrindo caminho para futuras gerações de músicos que, como ele, não têm medo de desafiar as convenções e explorar novas fronteiras artísticas.

A sua influência continua a ser sentida na música portuguesa contemporânea. Ao longo dos anos, as suas canções foram reinterpretadas por inúmeros artistas, e a sua vida foi retratada em documentários, livros e, mais recentemente, no filme biográfico Variações (2019), que reacendeu o interesse pela sua vida e obra.

António Variações é lembrado como um verdadeiro visionário, um artista à frente do seu tempo que desafiou as normas e que, através da sua música, conseguiu captar o espírito de uma época em transformação. O seu legado é um testemunho do poder da individualidade e da criatividade, e a sua música continua a inspirar novas gerações em Portugal e além.

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Se o filme sobre a vida de António Variações lhe aguçou a vontade de saber mais sobre a vida deste que foi um dos mais influentes músicos e compositores do panorama musical português, temos a solução perfeita para si.

Na única biografia escrita sobre o artista, Manuela Gonzaga , historiadora e ativista, acompanha o leitor numa viagem íntima pelos seus breves (mas intensos) 39 anos de vida – desde a curta infância em Fiscal, à mudança para Lisboa, em busca do sonho de fazer música, até à sua concretização, esta é uma leitura indispensável para todos os admiradores de Variações.

Partilhamos consigo algumas das curiosidades que poderá descobrir em  António Variações – Entre Braga e Nova Iorque .

 


 

1. DO MINHO PARA O MUNDO

António Joaquim Rodrigues Ribeiro nasceu na freguesia de Fiscal, no concelho de Amares, em 1944. Um de 12 filhos de uma família de origens humildes, sentiu, desde cedo, a vontade de partir que imortalizou na sua canção “Estou além” . Sair de Fiscal era, para si, não só uma forma de conhecer novos lugares mas também de procurar novas oportunidades, longe do trabalho no campo, onde começou a ajudar os pais desde muito novo. Tendo herdado do seu pai, que tocava o cavaquinho e acordeão, o amor pela música, partiu para Lisboa em busca desse sonho. A isso, seguiu-se o serviço militar em Angola e, mais tarde, as viagens a Londres, Amsterdão e Nova Iorque.

 
2. UM SOM ENTRE BRAGA E NOVA IORQUE

Quando pediram a Variações que definisse a sua música, o músico respondeu que era alguma coisa “entre Braga e Nova Iorque” . Às suas origens minhotas, foi buscar o folclore e aos sons cosmopolitas de Londres e Nova Iorque, os sintetizadores e o rock. Foi, contudo, em Lisboa que nasceu a sua maior inspiração – Amália Rodrigues . Nela admirava, sobretudo, a forma como era capaz de transmitir emoções apenas com a voz, ultrapassando as próprias palavras.

Embora seja reconhecido como um dos músicos mais emblemáticos da música portuguesa, a verdade é que António Variações (que, em Lisboa, começou a trabalhar como barbeiro), nunca aprendeu música. Era, contudo, algo que lamentava: “[G]osto muito do som da tesoura, mas não há nada que chegue ao som de uma viola, de uma guitarra ou de um violino. Só lamento não ter tido a formação musical necessária que agora me ia fazer muito jeito. Já em miúdo apanhei muitas vergonhas por ser apanhado em frente ao espelho a trautear umas canções.”

 

3. LÁ VAI O MALUCO, LÁ VAI O DEMENTE

Na canção “Sempre Ausente” , António Variações parece falar para si próprio quando canta sobre a solidão de alguém que, cada vez que passa na rua, todos comentam: “Lá vai o maluco, lá vai o demente”. A verdade é que o país dos brandos costumes levou algum tempo a aceitar a excentricidade do músico. Vestindo cores berrantes, blusas decotadas e, frequentemente, brincos (o que, conta o próprio, levou a que um dia lhe chamassem de “mulher com barba” ), Variações fazia rodar as cabeças onde quer que fosse.

Um dos seus muitos visuais icónicos foi o que envergou numa das suas aparições televisivas no programa A Festa Continua , de Júlio Isidro , no qual apareceu vestido com um pijama com coelhinhos e um urso de peluche. Para além disso, também o facto de ter trabalhado no primeiro salão unissexo de Lisboa, foi alvo de muitos comentários, levando a que, diariamente, muitos se deslocassem ao salão apenas para o observar.

 
 

António Variações com a sua mãe, Deolinda de Jesus, na sua terra-natal.
 

4. OLHAR PRA TRÁS, PENSAMENTO EM FRENTE

Em entrevista, explicou porque escolheu Variações como nome artístico: “Variações é uma palavra que sugere elasticidade, liberdade. E é exactamente isso que eu sou e que faço no campo da música. Aquilo que canto é heterogéneo. Não quero enveredar por um estilo. Não sou limitado. Tenho a preocupação de fazer coisas de vários estilos.” Talvez seja por isso que, 35 anos depois da sua morte, a sua música continua a ser ouvida e a sua personalidade a mover multidões.

A corroborá-lo está o facto de o filme sobre a sua vida ser já o filme português mais visto do ano e ter levado mais de 130 mil pessoas ao cinema . António Ribeiro pode não ter vivido para ver a sua música alcançar o estatuto que tem hoje ou as inúmeras homenagens que lhe têm sido feitas desde então, mas Variações viverá para sempre.

 
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