Sobre o livro
Toru Okada, um jovem japonês que vive na mais completa normalidade, vê a sua vida transformada após o telefonema anónimo de uma mulher. Começam a aparecer personagens cada vez mais estranhas em seu redor e o real vai degradando-se até se transformar em algo fantasmagórico. A percepção do mundo torna-se mágica, os sonhos invadem a realidade e, pouco a pouco, Toru sente-se impelido a resolver os conflitos que carregou durante toda a sua vida.
Este livro conta com uma galeria de personagens tão surpreendentes como profundamente autênticas e, quase por magia, o mundo quotidiano do Japão moderno aparece-nos como algo estranhamente familiar.
Este é o segundo romance que leio deste autor. O primeiro que li foi o 1Q84. Este romance surpreendeu-me porque não tem nada a ver com o 1Q84. No 1Q84 há mais ação, mais intriga, mais suspense. Enquanto que este deu-me a sensação que a narrativa não avançava e houveram partes, que eu achei, que poderiam ter sido, eventualmente, cortadas e que em nada acrescentam à narrativa, como é o caso do sonho do menino, dos homens e da árvore. Muito embora, admirei imenso a capacidade de imaginação de Haruki Murakami para desenvolver histórias dentro da própria história. Ou seja, temos a história da personagem principal, Toru Okada, e ao longo da narrativa contam-se as histórias de outras personagens, como por exemplo: do sr. Honda, das irmãs Malta e Creta Kano, do tenente Mamiya, da May Kasahara, de Noz Moscada e do seu filho Canela. Quanto ao significado da história de Toru Okada li, recentemente, num artigo do El País do Brasil, intitulado “Cinco lições de Murakami para a vida” que uma das lições de Murakami é a de que a solidão é a melhor via para o conhecimento, do auto-conhecimento, acrescentaria eu. Diz no artigo “Quando nos vemos confrontados com a solidão depois de uma separação ou morte, ou quando a buscamos através de uma viagem iniciática, afloram partes de nós que antes estavam soterradas. Sem a proteção e o ruído dos outros, o encontro com nós mesmos é inevitável, com o que damos um salto adiante em nossa própria evolução”. Quando li isto pensei “Isto aplica-se que nem uma luva à Crónica do Pássaro de Corda. Neste romance temos um homem cuja mulher o abandona e, que de repente, vê-se confrontado com a triste realidade de que está só neste mundo e que não sabe muito bem o que quer fazer com a sua própria vida. Então inspirado pela história do tenente Mamiya, Toru, decide ir para dentro de um poço para refletir melhor. Ou seja, este foi, para mim, o momento em que Toru começa a sua viagem iniciática, o ponto de inflexão que vai alterar a sua vida, o momento que vai despoletar todos os acontecimentos que vêm a seguir: conhecer Noz Moscada, comprar a casa amaldiçoada, com a sua ajuda, a descoberta que pode transcender a uma outra realidade, ou mundo paralelo, através da sua mente. Li, no site Amálgama, que o poço, segundo o Dicionários de símbolos, de Chevalier e Gheerbrant, é uma via que liga “três ordens cósmicas: céu, terra e infernos”. Em relação à leitura deste livro, eu diria que há algo na forma de escrever de Murakami que me fascina e que o torna fácil de ler. Algo que me absorve e que me faz perder nas suas palavras. Algo que me faz lê-lo com sofreguidão desmesurada e que me deixam num estado de êxtase apoteótico. Como curiosidade, para os amantes de música, o título das três partes que constituem este livro são títulos de obras musicais. A primeira parte, Thieving Magpie ou La gazza ladra, é um melodrama ou ópera semiseria em dois atos de Gioachino Rossini, a segunda parte, The Prophet Bird, faz parte de nove composições para piano intituladas Waldszenen (Forest Scenes) Op. 82, de Robert Schumann e a terceira parte, The Birdcatcher, é uma canção que faz parte da ópera Flauta Mágica de Wolfgang Amadeus Mozart.