Três poemas de Pedro Tamen (1934-2021)
Por: Bertrand Livreiros a 2021-07-30
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O poeta Pedro Tamen, de 86 anos, morreu esta quinta-feira, 29 de julho, em Setúbal, onde estava hospitalizado, disse à agência Lusa fonte próxima da família. Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, foi diretor de uma editora (Editora Moraes), administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, e codirigiu as revistas Anteu e Flama. Lecionou no ensino secundário, fez crítica literária no semanário Expresso, foi ainda presidente do PEN Clube Português, entre 1987 e 1990, e tradutor, tendo recebido, em 1990, o Grande Prémio da Tradução.
Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.
Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.
Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido…
Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
– que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.
Pedro Tamen, in "Retábulo das matérias - Poesia 1956-1991"
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Devagar te amo, e devagar assomo
os dedos à altura dos olhos, do cabelo
dos anéis de outro turno, que é só meu
por querê-lo, meu amor, como a ti mesma quero
nos tempos de passado e sem futuro.
Devagar avanço um dealbar de dias
que vida seriam - mesmo que morto, à noite,
eu voltasse amargurado mas presente,
calado e quedo, e devagar amando.
Pedro Tamen, in “Rua de Nenhures”
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Não sei, amor, sequer, se te consinto
ou se te inventas, brilhas, adormeces
nas palavras sem carne em que te minto
a verdade intemida em que me esqueces.
Não sei, amor, se as lavas do vulcão
nos lavam, veras, ou se trocam tintas
dos olhos ao cabelo ou coração
de tudo e de ti mesma. Não que sintas
outra coisa de mais que nos feneça;
mas só não sei, amor, se tu não sabes
que sei de certo a malha que nos teça,
o vento que nos leves ou nos traves,
a mão que te nos dê ou te nos peça,
o princípio de sol que nos acabes.
Pedro Tamen, in "Retábulo das matérias - Poesia 1956-1991"