Aracne
de António Franco Alexandre
Sobre o livro
Após «Duende» (galardoado com o Prémio D. Diniz — Fundação Casa de Mateus 2002), António Franco Alexandre regressa à escrita com «Aracne» de onde retirámos este poema:
É muito bonito o meu amigo de agora;
tem o mais belo pêlo da floresta,
e olhos onde brilha, em noite escura,
o faiscar do gelo nas alturas.
Demora-se a falar ao telefone
com a namorada, no vagar dos dias;
diz-lhe tudo o que faz, e pensa, e sente,
e ouve também, com ar inteligente,
as divertidas vidas que ela conta.
E há tantos episódios, desde o baile
dos mosquitos, no verão passado,
à recente soirée das sanguessugas,
que se distrai, e lento se espreguiça
ao sol, que lhe acentua as rugas.
Então eu subo pelo pêlo, e fico
a admirar tão sedosas harmonias;
no sussurro sem fios, que mal entendo,
colho o meu mel pequeno, e sou feliz.
(p. 8)
Frederico Lourenço, In Mil Folhas (Público), 02 de Janeiro de 2005
Em Aracne é um aranhiço quem nos fala «da arte, dos mistérios / da sexta dimensão, e outras lérias / de quem já não tem fio, mas tem ideias». A lírica, com enredos frequentemente amorosos, mistura-se aqui com a narração de uma espécie de balanço pessoal de conotações fortemente críticas e, por vezes, morais: «fico a pensar se não teria sido / melhor ter construído uma doutrina / em duro nylon ou arame fino». O poeta como que se faz passar, desta forma, por «um aracnídeo inadaptado» que tece a sua «teia sem enredo» - os seus poemas -, onde poderá ser humano, pois «Ser outro é privilégio de quem tece / na face do destino um transparente / véu, e ao vão casulo / prefere a superfície de uma folha». Um dos mais belos livros de um dos mais relevantes poetas portugueses.