Sobre o livro
A poesia de Jorge Aguiar Oliveira sobressaiu, desde sempre, pela vontade de mostrar a ruga, desmaquilhando a realidade, fazendo cair máscaras e trajes, dando a ver com especial crueza as entranhas dos seus temas. Ranço é uma recolha de duas dezenas de poemas onde está em evidência o declínio de um país. Se é verdade que sempre esse declínio se insinuou nos versos do autor, nunca como nestes poemas ele apareceu de forma tão explícita. Digo isto por notar uma certa inflexão temática na poesia de Jorge Aguiar Oliveira que, sem se afastar por completo do fatalismo erótico e da encenação trágica da sexualidade num contexto de opressões sociais, culturais, religiosas, aproxima-se muito mais, nestes poemas, da paisagem política e dos seus podres mais do que evidentes.
A ironia, a sátira e o erotismo, praticados a espaços e em doses nem sempre temperadoras, não disfarçam a face decadentista desta poesia. Nem julgo ser esse o objectivo. Parece-me mais acertado falar da vontade de autopsiar a realidade, recorrendo aos seus restos, aos seus defuntos, aos escombros de uma sociedade declinada, para procurar entender que doença os matou. Poemas aparentemente inócuos como Arrabalde monótono 1 e Arrabalde monótono 2 são inventários de espaços onde o belo possível surde de entre o lixo, nas ruínas onde a morte repousa dos seus eternos e frenéticos afazeres, agitada por palavras inventadas e alucinações. "Ranço" é cegar essa coexistência, varrer para debaixo do tapete, assobiar para o lado, fingir que não se viu, não se sabe, não se é. Contra tudo isso se escrevem estes poemas, porventura vítimas, também eles, das bactérias que mantêm adormecidos incautos e raros leitores. Buscam a verdade, sabendo-a porventura apenas e tão-só tangível.