O Segredo de Joe Gould
de Joseph Mitchell
Grátis
Sobre o livro
Salman Rushdie, Julian Barnes, Martin Amis e Doris Lessing são alguns dos escritores do mundo literário que, em 1996, quando este livro foi publicado, se fizeram ouvir chamando a atenção para a sua importância.
Afinal, quem foi esse Joseph Ferdinand Gould, o cândido e inquietante protagonista deste livro? Filho de uma das famílias mais antigas de Massachusetts, licenciado em Harvard, em 1916 rompeu com todos os laços e tradições familiares e foi para Nova Iorque, onde passado pouco tempo iniciou a sua vida de vagabundo. Trabalhava e vivia inteiramente para o seu projeto de escrever uma monumental História Oral do Nosso Tempo.
Ezra Pound e E. E. Cummings, entre muitos outros, interessaram-se pelo projeto e chegaram a falar nele nas revistas em que escreviam. Entretanto, Gould dormia na rua ou em albergues noturnos para mendigos, comia mal e vestia as roupas usadas que os amigos poetas e pintores de Greenwich Village lhe davam.
Era frequente vê-lo bêbado e imitando o voo das gaivotas, e a sua História Oral, que ninguém lera ainda, gozava já de uma certa reputação. Com a sua morte, em 1957, os seus amigos empreenderam uma vasta busca do famoso manuscrito nos poisos da Village que ele frequentava. É o surpreendente resultado dessa busca, o segredo a que se refere o título, que Joseph Mitchell nos conta na segunda crónica deste livro.
Há livros que nos compram pela capa, já eu, no que respeita ao "O Segredo de Joe Gould" adquiri-o pelo prefácio de António Lobo Antunes. Saber, pela boca de um dos melhores escritores portugueses, que se trata de um livro magistral foi decisivo. E sim, este livro é tudo aquilo que Lobo Antunes lhe acrescenta e muito mais. Talvez não exagere, até, quando sublinho que dentre tantos livros que já li, nenhum se iguala ao retrato traçado por Joseph Mitchell. As duas crónicas que compõem este livro foram publicadas originalmente na revista The New Yorker, na secção "Perfis", onde míticas figuras da cidade nova-iorquina marcaram presença. Joe Gould é uma dessas figuras, um excêntrico boémio originário de uma importante família do Massachusetts que, após o término dos estudos em Harvard, se dedicou a uma vida de deambulação pelas ruas da "cidade que nunca dorme". De burguês a vagabundo, Gould irá dedicar todo o seu percurso à escrita de uma obra magnânima "História Oral do Nosso Tempo". Esta narrativa, que tanto me fez rir pelo detalhe das situações hilariantes levadas a cabo por Gould, é também um livro de raciocínio claro e pretensioso acerca da mente humana e do nosso papel na sociedade. O "Professor Gaivota", que tem tanto de louco como de génio, sem um único dólar no bolso, mantém durante décadas uma campanha em torno da única arte em que acredita: a literatura. Sem constrangimentos, demonstra apenas aquilo que é, sem ser necessário recorrer a dogmas e imposições societários. Por ele não fui capaz de sentir pena, ainda que as condições em que escolheu viver sejam assombrosas, por ele sinto uma inveja clara, uma inveja boa, pela liberdade de escolha e pela autenticidade. Pela luta objectiva dos princípios pelos quais se orientava. Tal como dita Lobo Antunes: "Seja qual for o preço que por ele deste (o livro), é uma pechincha comparado com o que vais receber".