Naufrágios na Costa de Esposende
de José Eduardo de Sousa Felgueiras
Grátis
Sobre o livro
NAUFRÁGIO
«Tarde mui serena.
Os confins do Poente.
Ofuscam uma luz, uma fornalha ardente,
E o sol, num baço foco de centelha,
Vai dando às águas uma cor vermelha.
‘Stá sereno o mar. O espaço reverbera
Em breve, surgir medonha atmosfera.
Grossas nuvens, nuvens d´agua e ventanias.
Cingem o dorso escuro, e fugidias,
Vão-se aglomerando em forma hórrida,
Como alta e ‘scarpada serra erguida
O mar ulula: e sinais de grã procela,
Vão cobrindo a tez à lua pálida,
Coberta por um véu de cor esquálida.
Ao longe, zurze a vaga rancorosa…
Que faz prever uma noite tenebrosa:
O trovão surdino estruge no Ocidente,
As águas vão tomando fúria ingente.
E os leões-do-mar, os pescadores,
Que conquistam os mares de fronte erguida,
A quem o peito se trespassou de dores,
Vendo morrer as forças, exaurir a vida,
Levantam coro, e oram ao Altíssimo,
P’ra que os livre das garras do Oceano,
Desse monstro, desse antro de leão hircano,
Do abismo de Neptuno fecundíssimo.
Mas… o sol deixou há muito de brilhar,
Agora só se ouve o vagalhão do mar!
Surge o tufão, quasi inesperadamente,
Que horrorisa o coração daquela gente.
Álvaro Pinheiro,
In "NAUFRÁGIO" (18 de outubro de 1888)