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Sobre o livro
A Perestroika derruba os regimes comunistas na Europa. Na República Popular da Eslávia os antigos dirigentes tentam sobreviver aos novos tempos, enquanto as suas vítimas procuram vingar-se.
O ex-presidente Alfred Ionescu é colocado num asilo que ele próprio construíra. Zut Zdanov, o responsável pela cultura, é confrontado com os seus abusos de crianças. Helena Yava, a responsável pela educação, quer vingar a morte da amante. Igor Olin, o responsável pela economia, luta para que o filho deficiente possa ter uma vida digna. A historiadora da arte Silvia Lenka quer saber quem são os seus pais. Lia Kirchner, filha de um pintor que morreu num campo de reeducação, quer saber a verdade.
Tendo como elemento aglutinador a pergunta de Pilatos a Jesus «o que é a verdade?», Perestroika é um romance de vingança, redenção e catarse inspirado na história europeia recente.
Jan Fortune, editora da Cinamon Press
«Brilhante, arrebatador e horrível. Perestroika é uma representação devastadora do Bloco de Leste.»
Lauren Grosskopf, editora da Pleasure Boat Studio
Perestroika é um romance ambicioso que não tem comparação possível com outros romances políticos. É único no mundo das letras portuguesas, e mesmo europeias. Talvez os autores que têm mais a ver com o João Cerqueira são George Orwell e Michel Houllebecq, dado que partilha com eles uma visão distópica, franqueza brutal e o humor negro. No entanto, Cerqueira distingue-se deles em vários aspectos: primeiro, porque não há um protagonista no romance do português, mas sim muitos, e não há um enredo, mas vários, com a mesma importância. E as múltiplas histórias estão tecidas numa tapeçaria tão complexa quanto um tapete persa. O desenho e a arquitectura do romance são impressionantes. Somente um mestre consegue o malabarismo de manipular tantas personagens e tantos destinos ao mesmo tempo. A história passa-se num país fictício da Europa Central, chamado Slavia. A primeira metade do romance retrata a vida lá sob a ditadura de Alfred Ionescu, um regime comunista bárbaro e corrupto. A segunda metade retrata o mesmo país, e as mesmas personagens – pelo menos, aqueles que conseguiram sobreviver – depois da Perestroika, e a revolução democrática que derruba o regime. Cerqueira evita a solução fácil de retratar os novos líderes como santos e heróis. Na realidade, uma das virtudes principais de Perestroika, e da escrita de Cerqueira em geral, é que reconhece a complexidade de todos – o lado humano de alguns comissários, por exemplo, que amam genuinamente os seus familiares, ou noutro caso, a Ministra da Educação, que acusa outro ministro, Zut Zdhanhov, de pedofilia e outros crimes, apesar do perigo para ela própria. Adicionalmente, os bons também têm um aspecto mais sinistro. Um dos membros da resistência decide destruir uma fábrica num acto de terrorismo, sabendo que pessoas inocentes podem morrer, e Silvia, uma estudante de arte, e talvez a personagem mais simpática do romance, é a amante do velho e quase impotente Ionescu, porque desta forma desfruta de grandes vantagens. Existem alguns heróis que nunca se comprometem, mas o destino deles não é feliz. O autor escreve com humor, porque não é capaz de escrever sem ele – e talvez a verdade seria insuportável sem o humor, como aprenderam os povos do Pacto de Varsóvia – mas o livro não é uma comédia, senão uma tragicomédia, um género invulgar, porque é muito difícil de realizar bem. Perestroika não é um roman à clef: a Slavia não é a Rússia, embora surja uma cleptocracia depois da perestroika, como sucedeu naquele país. Nem é a Roménia, embora seja um país pobre e pequeno com orfanatos cruéis. Penso que a Slavia cumpre o papel de um país mítico, e o romance é um mito moderno, uma fábula que nos fala da natureza essencial da liberdade. Obviamente não existe liberdade sob qualquer ditadura, seja de esquerda ou de direita. Mas também não há liberdade sob um governo ostensivamente democrático, se aquele governo for corrupto e criminoso. Afinal, tal como Dostoievski e Tolstoi e todos os romancistas sérios e sábios, Cerqueira afirma que não há liberdade sem responsabilidade e integridade. E temos a coragem de assumir essa responsabilidade pelas nossas vidas? Ou queremos fazer o papel muito mais fácil de vítimas e choramingar constantemente sobre a crueldade dos outros? Este é um romance comovente, mas por vezes difícil de ler, porque nos obriga a enfrentar a barbaridade que reside dentro do ser humano, mesmo os bons. Porém, vale a pena ler. Eu, como tradutor do romance (língua inglesa) passei muitos meses na companhia constante das personagens do romance, muitos dos quais sinto como fossem conhecidos meus na vida real – e a visão do livro enriqueceu-me, sem dúvida. Não percam a oportunidade de ler a obra-prima deste autor.