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Sobre o livro
No início dos anos 50, o pequeno Manuel António, então com 7 anos, escrevia os primeiros versos. Também costumava sentar-se à mesa com um livro aberto em frente ao prato da sopa e era repreendido por isso. Assim começou uma relação com as palavras, essas crianças grandes, que, com o tempo, se transformou em intimidade e coincidência. Na verdade, essa relação foi uma história de amor, a história de uma vida de palavras, como se fosse um livro, literatura.
Da autoria de Álvaro Magalhães, talentoso escritor que muito bem conheceu Manuel António Pina, Para Quê Tudo Isto? é a biografia do criador, que, ao longo de trinta anos, ergueu uma das maiores e mais originais obras literárias do seu tempo. Mas também nos dá a ler a sua personalidade singular e cativante, o que inclui a arte de faltar a obrigações, ou, pelo menos, chegar atrasado, a disponibilidade para a brincadeira e o riso, o humor desconcertante, a genuína bondade, o talento supremo para a conversa, o lado irascível e furioso ou o insaciável desejo de infância, que correspondia a uma necessidade de recuperação do estado puro do mundo. Sem esquecer as suas facetas mais ignoradas, como as de professor, advogado, guionista, publicitário, ator de teatro, praticante de artes marciais, revolucionário, adepto de futebol ou jogador de póquer.
E, pairando sobre tudo isso, a pergunta que sempre o acompanhava, «uma pergunta numa cabeça,\como uma coroa de espinhos»: «Para quê tudo isto?»
«Quando lhe perguntavam o que queria ser quando fosse grande, respondia que queria ser santo, bombeiro, detetive, e também que queria ser Salazar, pensando que isso - ser o ditador que então governava o país com rédea curta - era uma profissão.»
«Sempre foi uma criança, independentemente da idade que realmente tinha. "E o que é uma idade real? Talvez a única idade verdadeiramente real seja a do espanto. Que idade temos quando perdemos a faculdade do espanto senão a da morte?" […] Uma das vias para esse permanente estado de infância, que correspondia a uma recuperação consciente do estado puro do mundo, era, naturalmente, a literatura, essa "infância finalmente recuperada" […]. Escrevendo, inventando, criava, e isso também fazia dele um ser em criação: uma criança.»
«Para ele, as palavras eram bem mais do que signos, eram "seres deste mundo, insubstanciais seres, incapazes também eles de compreender, falando desamparadamente diante do mundo". […] E as palavras, todas as palavras, adoravam-no - e voavam, deslumbradas, para ele.»
«Clarice Lispector disse que perder-se também é caminho. Para Pina, perder-se é que era o caminho. Não fora isso e que traria para contar? Como poderia dizer: "Não imaginam o que me aconteceu"?»
«Será que, como afirmaram os ensaístas Pedro Serra e Osvaldo Manuel Silvestre, ele "consegue fazer de Pessoa um discípulo seu"?»