Marginal
de Cristina Carvalho
Sobre o livro
Um dia, quando ela, a minha sogra, se preparava para ir para a praia com o seu belo fato de banho preto com rosas verdes e saiote compreensivo e vestida por cima com um vestido próprio de ir para a praia, calçada com sandálias brancas de salto alto próprias para ir para a praia e um chapéu de pano cheio de flores coladas, também de pano, próprio para ir para a praia e uns grandes óculos escuros, perguntei-lhe:
«Gosta desse seu fato de banho? Gosta mesmo? Da saiazinha a tapar as pernas e o desenho do rabo?»
Ela parou entre portas, tirou os óculos escuros e olhou para mim com o ar mais triste deste mundo e, com a boca praticamente fechada, murmurou qualquer coisa parecida com isto: «Sabes o que é que eu gostava mesmo? Era de me enterrar completamente nua na areia e sentir a areia húmida nas pernas, que me chegasse até às coxas, até às ancas e que eu me deixasse enterrar tanto e tanto e tanto que pudesse desaparecer para nunca mais ser vista…»
Isto disse a minha sogra entre portas. E saiu.
Uma mulher e um achado assombroso que revela instantâneos de uma juventude enterrada na rotina dos dias. Um passado vivido ao longo dessa emblemática estrada que liga a dourada sociedade da Linha de Cascais à cidade de Lisboa. Onde começa a margem e termina o «dever ser» para uma jovem portuguesa, nas décadas de 50 a 70 do século passado? Pode uma dúzia de imagens de um passado rebelde abalar a calma de um presente sem cor? Uma vez mais, a voz literária de Cristina Carvalho arrasta-nos para um território humano que não se rende às conveniências, nem às evidências. Uma voz sempre aberta ao inesperado e que nos surpreende a cada história para a qual nos convida a entrar.