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Poeira
«Há livros de poemas que se constroem numa sequência, digamos que indiferente. Digamos, porque a leitura sequencial necessariamente cria, da parte do leitor, uma qualquer estrutura de nexos, de forma e de sentido, afins ou divergentes. E há livros que, como Poeira são percorridos por uma forte estrutura que o autor torna bem expressa. Numa simbiose de forma e de sentido, é sobretudo na metáfora — numa metáfora — que Poeira assenta o desenrolar dos seus poemas. Desde o primeiro poema, é «pedra» — «pedra que nasce», «mulher-pedra» — que consubstancia essa metaforização sucessiva, que finaliza, no último poema, em «pedras removidas». Nos poemas intermédios, «pedra» assume uma polissemia intensa, sendo também objecto de simples enunciados intercalares, tal como «se não amas a pedra» («Primeira Voz»). Mas não quero tirar ao leitor o prazer da surpresa desta rica polissemia poética, que culmina na sinonímia pedra/corpo/vida/morte — «as pedras vivas/o corpo precário» («Corpo Precário»); «se um corpo morto é ainda matéria eu quero ser pedra/ou a própria morte» («Natureza Morta»). Claro que pedra, sendo a vida, a morte e o outro, evidencia uma total humanização que torna estes poemas simultaneamente abstractos e concretamente comoventes. E, de súbito, «pedra» é o próprio poema, «a pedra que/solitário ergo» («Eco»). Mas já disse que não quero substituir-me ao leitor, roubando-lhe a surpresa de ler. A surpresa de ler, que considero ser um dos índices de avaliação de um bom poema. Este livro chama-se «Poeira», e poeira/pó/poalha são palavras inscritas no sentido/forma de alguns destes poemas, sempre no âmbito metafórico de «pedra» — «melancolia da pedra/do pó negro» («Trilogia da Pedra»). Tal como, no âmbito metafórico de pedra nos surge repetidamente «mão», coerência que seria de esperar desta pedra tão humana.» Fiama Hasse Pais Brandão, in Prefácio.