Os Lances do Olhar
de Luís Viveiros
Grátis
Sobre o livro
Segundo a arte de viver para as próximas gerações, de Raoul Vaneigem, a vida quotidiana conquistou pouco a pouco o centro das nossas preocupações e nenhuma ilusão, sagrada ou dessacralizada, colectiva ou individual, pode hoje dissimular a banalidade dos gestos quotidianos. Isso exige o aperfeiçoamento das velhas armas da militância e resistência. Uma delas é, como se sabe, a poesia.
Este livro de Luís Viveiros conta a miniloquência do quotidiano de um homem consciente de que todas as ilusões identitárias em que se reconheceu, todos os ideais revolucionários por que lutou, ficaram para trás, na esquina de um século há muito dobrado. Mas, como Rousseau, que só se lembrou de responder aos insultos quando já estava longe do lugar em que foi vítima deles, também a resposta perante essa perda irreparável é diferida, meditada, aperfeiçoada. Lembra-nos, apesar de tudo, que continua a existir o conforto daquela antiga arte da amotinação de cristal a que o autor já se referia em Primeiras angústias (1982).
(...)(...) no fio de uma velha navalha revolucionária com que Mario Benedetti instigava a rebelar-se contra o muro de todos os silêncios e repressões, este livro ajuda-nos a despertar para uma nova dimensão fraterna e a praticar a poesia não só como revolta íntima mas sobretudo como provocação, como pedra novamente atirada contra um vidro, como novas palavras de ordem escritas num mural. que fazer se o inimigo de hoje não tem nome nem rosto?
"Este é o tempo que te / calhou para o melhor e pior - / milita por ele", instiga o poeta. É preciso tirar do fundo da gaveta a velha navalha que os anos de comodismo enferrujaram, voltar a vestir aquele blusão puído de Kerouac, e sair de novo à rua. Provavelmente o velho blusão ficará apertado, e dentro dele já não estará aquele feixe de nervos tensos como mola comprimida pelo terno tormento ou pela inocente braveza das garras, mas a navalha pode voltar a ser afiada para "polir a faúlha de uma marginalidade" vivida agora, e talvez mais do que nunca, como postura ética de uma assumida Recusa.