Sobre o livro
Publicado pela primeira vez em 1917, Húmus, a obraprima de Raul Brandão, é um misto de diário, feito de visões e reflexões metafísicas, e de ficção simbólica, onde se alternam dois monólogos interiores em fragmentos datados ao longo de cerca de um ano — o monólogo do autor/narrador, na primeira pessoa, e o de um filósofo lunático, alter ego do autor, apodado de Gabiru. Escrito num estilo poderosamente original e de uma modernidade impressionante, Húmus explora a contradição entre o mundo aparente e o autêntico, onde se descobrem monstruosidades não sonhadas.
"Nenhum de nós sabe o que existe e o que não existe. Vivemos de palavras. Vamos até à cova com palavras. Submetem-nos, subjugam-nos. Pesam toneladas, têm a espessura de montanhas. São as palavras que nos contêm, são as palavras que nos conduzem." Raul Brandão, Húmus
Um livro poderoso, com palavras lindas mas que ao mesmo tempo doem. Achei a linguagem surpreendentemente real e desprovida de artifícios, o que torna a obra ainda mais impressionante e intemporal tendo em conta que foi escrita em 1916. Apesar de a acção parecer estática, o facto de estar escrito em diário e o estado de espírito ir mudando fez com que na minha cabeça agrupasse os diferentes momentos como as estações do ano - a cíclica da vida. Inverno: a monotonia dos dias sempre iguais, constatação de que as pessoas se escondem atrás de máscaras - todos dissimulam as suas opiniões e sentimentos; o medo do Inferno. Primavera: constata-se que Deus não existe; há uma revolta interna no âmago de cada um - viveram uma vida em vão com inúteis sacrifícios. As máscaras caem; começam a expressar os seus maiores medos (quem são na realidade). Verão: os velhos lúgubres reganham a sua juventude e dedicam-se aos prazeres imediatos. Outono: a morte e o sonho. No fim somos iguais. Mesmo que a vida se prolongasse por 500 anos nada mudaria: um punhado de poderosos que controla milhões de ignorantes. O medo e o comodismo levam inevitavelmente a que tudo volte a ser como sempre foi - a irónica condição humana. Agora compreendo porque José Saramago se inspirou tanto nesta obra. Um livro que voltarei a ler no futuro devido às suas múltiplas e mui complexas mensagens.