Caminho do Céu / O Jardim Queimado / Animais Nocturnos
de Juan Mayorga
Sobre o livro
CAMINHO DO CÉU parte de um acontecimento que me impressionou muito: um delegado da Cruz Vermelha visitou um campo de concentração e fez um relatório relativamente favorável. A personagem interessou-me muito, achei que se parecia comigo e com muita gente que me rodeia, pessoas que querem ajudar e não são suficientemente fortes. Construí uma ficção onde o campo é disfarçado de cidade normal, com um comandante que é uma espécie de Próspero, alguém que tem a possibilidade de fazer a obra de arte total, a grande peça de teatro diante deste delegado. A terceira personagem que me interessava era o que fazia o papel de presidente da câmara, o interlocutor entre o comandante e as vítimas que por um lado coopera com o verdugo e por outro ganha tempo, não o levam para a câmara de gás porque participa num jogo. Uma quarta personagem, colectiva, são os pequenos judeus a quem vemos sempre não na vida mas na representação da vida. Há um que é o vendedor de balões, porque o comandante lhe disse para fazer de vendedor balões. É uma peça que fala da necessidade que temos de mentir uma e outra vez e de como se dá uma segunda morte às vítimas quando se lhes pede que intervenham no relato do verdugo.
Em ANIMAIS NOCTURNOS, um homem utiliza a lei da emigração para dominar outro. A lei da emigração é a lei mais importante, é a verdadeira constituição, porque divide a sociedade em dois, os legais e os ilegais; e os ilegais estão à mercê dos legais. Pus a hipótese de que um homem legal se servisse desta diferença para transformar outro em escravo, para lhe completar os desejos. Não lhe pede que trabalhe para ele, mas sim coisas como: "Agora dá um passeio comigo, vais ser o amigo que eu nunca tive." A lei da emigração é uma lei perversa que coroa uma sociedade perversa: tratamos assim os estrangeiros porque tratamos os outros assim. Mostra que os direitos humanos são uma ficção, uma fantasia. Só existem os direitos da cidadania, associados a passaportes, a documentos. Mas aceitar isto é gravíssimo, porque me põe também a mim em perigo. Aceitar a lei supõe que o estado pode a dado momento declarar-nos a nós invisíveis e ilegais.