Repercussão
de Gastão Cruz
Sobre o livro
«Repercussão» é o novo livro do poeta Gastão Cruz, a cuja obra anterior, «Rua de Portugal», foi recentemente atribuído o Grande Prémio de Poesia APE/CTT. Gastão Cruz tem uma vasta obra literária publicada e vários prémios.
António Guerreiro, Expresso, Actual
"Repercussão divide-se, em partes quase iguais, entre a dita abertura a um biografismo vigiado e não confessional e uma poética in progress, mas sempre centrada na alusão e no labor do verso. Os únicos poemas que porventura não alcançam a mestria que encontramos noutros livros são os que focam uma espécie de erótica do abandono e uma evocação da morte e dos mortos. Mesmo porque As Pedras Negras (1995) é um marco difícil de superar. Tomemos este excelente exemplo do modo como o poeta pega numa "Velha Imagem" (assim se chama o poema) e em quatro versos evoca a memória no mesmo passo que o próprio mecanismo da memória: "Peso do céu que nunca dirá nada / como um golfo de morte um poço / em que não entra o balde que na casa / cortava outrora a escuridão da água" (pág. 11). A linguagem, extremamente condensada, toma essa imagem do balde que (não) entra no poço e recupera uma imagem, mas também uma impossibilidade e uma "escuridão" que é a escuridão do irrecuperável. Noutros momentos, Gastão Cruz alonga-se um pouco mais, não sem algum virtuosismo. Aqui se enuncia o trânsito impuro desta colectânea: "Releio poemas mudo-os de lugar / no livro que crescendo devagar / me exaspera, por vezes um poema / faz-me crer que prendi acaso o tema // quer ao som das palavras quer ao mundo / outros talvez como este nem ao menos / chegam ao fim ou terminados caem / no limbo conhecido de múltiplas esperas // e é o mesmo mundo que me inspira / que de dizer me impede os sons precisos / dia após dia até que (por fim ditos / os segredos no vácuo do silêncio // tanto tempo retidos, o amor / que da vida nunca se solta e é isso / que o torna algumas vezes impossível)/ a espera recomeça em novos limbos" (pág. 27)."
Pedro Mexia, Diário de Notícias