Sobre o livro
Trilogia autobiográfica, em que a autora começa pela narração de um nascimento: o seu.
A partir desse ponto, Yourcenar interroga-se: de onde vem?; quem foi a sua mãe, tão cedo desaparecida?; e o pai?
A autora dá a conhecer o modo como se construiu o seu universo interior, o seu mundo afectivo, como se teceu a ideia das suas relações familiares. Fala do papel desempenhado por seu pai na sua formação. Fala das viagens que fez e dos contactos que estabeleceu com os livros, com os monumentos e com as cidades.
A narrativa é acompanhada passo a passo por comentários que iluminam fragmentos da globalidade da vida.
O ser a quem chamo eu veio ao mundo numa certa segunda-feira, 8 de Junho de 1903, pelas oito horas da manhã, em Bruxelas e nascia de um francês descendente de uma velha família do Norte e de uma belga cujos ascendentes se tinham estabelecido em Liège há alguns séculos atrás, tendo depois vindo a fixar-se no Hainaut.
A casa onde se dava este acontecimento, visto que todo o nascimento o é para o pai e a mãe e algumas pessoas que lhes são próximas, situava-se no número 193 da Avenida Louise e desapareceu há uns quinze anos devorada por um prédio de apartamentos.
Estabelecidos assim estes poucos factos que por si só nada significam e que, no entanto e para cada um de nós, têm mais alcance do que a nossa própria história ou do que a história simplesmente, detenho-me, tomada de vertigem perante o inextricável enredo de incidentes e de circunstâncias que mais ou menos a todos nos determinam.
Essa criança do sexo feminino, integrada já nas coordenadas da era cristã e da Europa do século XX, esse bocadinho de carne rosada a chorar num berço azul obriga-me a fazer-me uma série de perguntas tanto mais temíveis quanto parecem banais, daquelas que qualquer literato que se preze evita a todo o custo fazer.