Não Morras até ao Verão
de Manuel Dias
Sobre o livro
As páginas iniciais mostram-nos um condutor ao volante do automóvel "que sabe o caminho, está bem de ver!", a pensar e a sentir tudo, menos a condução. Em boa verdade, levado pela torrente da memória, da consciência, ou da sensibilidade exacerbada, a personagem masculina, ainda não identificada e provavelmente regressando da beira-mar, fervilha contra as formalidades e as convenções dos Homens e do Altíssimo, utilizando um entrelaçamento de discursos algo difíceis de catalogar (monólogo interior, efusão lírica, discurso indirecto livre). O caso, certamente bicudo, é que caíra nos enredos de uma jovem a "ofertar-lhe as coxas" ao longe, mas sem existência própria para um "chichi autónomo", ao perto. Nas férias no estrangeiro, com efeito, em alucinações de conduzir ao manicómio, enxergara-a por todo o lado, inclusive nos Alpes, "saltitando de pico em pico, como em praia de brisa", o páreo a esvoaçar e a desvendar as formas ascendentes, tão substanciais quanto esguias... Enfim, num rasgo de lucidez e quiçá de rancor por dois anos evaporados, o dilacerado, que "mais tempo não tem que para viver", adverte (para ele) a sonsa em questão: "Brinque! Brinque ao dói-dói menina. Mais apaziguado consigo e com o mundo, o condutor entra em casa após um breve diálogo com a velha vizinha do lado a trabalhar no quintal e com um grande envelope engelhado, retirado da exígua caixa do correio. No banho de emersão e não resistindo à curiosidade, lê a missiva espectacular de uma tal Eva klebber, a prometer mundos e fundos e a troco de quase nada. Primeiro, com ironia mordaz; depois a imaginar-se com a menina Foge-Foge num cruzeiro a circundar o Mediterrâneo e com uma incursão pelo deserto até à pirâmides…