Como se Fosse Hoje
de Manuel Jesus Rocha
Sobre o livro
Pedro Coutinho é um jovem padre que se muda para uma comunidade perto de Sintra, vindo do Porto, com o objetivo de finalizar a tese de doutoramento. Reconhece que a casa é uma espécie de asilo, havendo apenas um padre da sua geração, a quem confessa a desorientação da mudança. Mas submete-se, desejoso de cumprir a sua missão.
Entretanto, no quarto, enquanto arrumava as suas coisas, as entranhas dum dossier derramaram-se por todo o lado.
"Nada havia a fazer além de baixar-se contrafeito para recolher as fotos, cartões, folhas que calcetavam o chão, colocando-os em cima da secretária.
De repente, parou o que fazia e sentou-se no leito, tendo uma fotografia na mão. O rosto animou-se num sorriso esboçado em saudade. Era a imagem dela.
Já lá iam uns anos… Quantos, mesmo?
(…)
Ora ali estava: 1985… como o tempo correra! Mais de dez anos haviam passado, desde que aquele instante fora aprisionado.
Olhou novamente e sentiu-se no mesmo espaço: a intimidade do quarto dela, sentada na cama, segurando a guitarra no colo, procurando acertar a posição dos dedos num qualquer acorde começado a aprender ali mesmo. Pareceu-lhe escutar as notas desafinadas do instrumento, desajeitadamente tangido.
E tudo se lhe tornou tão real que os sons, os odores, a luz esbatida do fim da tarde, entrada a custo pela janela de transparentes corridos, lhe invadiram os sentidos, palpando mesmo a textura da colcha que os suportava."
Descobre, assim, que o passado habita os nossos ombros e aparece traiçoeiro, quando lhe apetece. E o percurso da vida escapa tanto ao que decidimos!...