Cánticos de la Frontera / Cânticos da Fronteira
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Sobre o livro
Não dorme a fala nem renuncia ao canto todo o poeta fidedigno. Fulgor de sua bússola sobre enigmática raiz revelando-se: afunda-se na razão, devoto de venerandas palavras; lança-se ao inesquecido, qual fiel profeta dos sentimentos.
Travessias por todos os desterros; confissões pelos oratórios mais ignotos, por belas herdades que a sua respiração desoculta. Pisa as inevitáveis brasas; alegra-se possuindo o mundo. O poeta vai inoculando os seus cânticos no ouvido dos iniciados, fazendo eco da fronteira, afrontando - rebelde - o seu destino. Como império, a escultura do verso...
Espanha e Portugal são duas nações siamesas nascidas de um mesmo esforço da terra. Mas nem sempre a fraternidade foi a meta daqueles que governaram os seus territórios. A História acumula tristes vestígios que é bom recordar sem excessivas estridências. Outro canon diferente existe nesta nova Europa, abrindo as suas fronteiras interiores, como que voltando a tempos passados, em que o comum eram estes deslocamentos que agora resultam aparentemente inovadores. Mas hoje - mais do que antes - procura-se avançar arrumando princípios e desprezos, receios e vaidades: válida e transcendente é a fraternidade entre povos que dedicam atenção uns aos outros, que se sabem pertencentes a uma mesma raiz cultural. Os poetas e artistas deram desde sempre - penso em Shakespeare, Cervantes, Camões, Leonardo... - boa parte do seu espírito em prol de uma Europa unida. Por isso torna-se infindável a esperança de um destino que não cresça leviano e com dissimulações: a poesia impregna e ilumina toda a criação que busque ser duradoura; é a fonte para as horas da alma e da arte crente num dom divino.
Em Salamanca apresentaram as suas credenciais duas selecções irmanadas pela poesia. O jogo terá - algum dia - uma natural segunda volta. No encontro de carácter amigável em campo charro [de Salamanca] alinharam onze poetas por equipa: dez de corpo presente por cada selecção, mais um avançado-centro cuja alma ronda o coração de todos. Assim se quis recordar a viva presença do valhadolidiano Francisco Pino, junta à do poeta de Póvoa da Atalaia, Eugénio de Andrade. Duas regiões, outrora separadas por uma Raia, lamberam as feridas e cantaram para dar conta de uma realidade que outros desmantelam ou encobrem. Contou-se com os artistas [plásticos] como eles contam com os poetas: pintores e poetas trabalham com similar matéria prima. A música convive feliz com a poesia. Poetas, fotógrafos e escultores sabem da alquimia das imagens e por isso convergem em toda a renovação dos seus reflexos.
De Castelo Branco, Valhadolid, Coimbra, Salamanca, Burgos, Viseu, Leão, Guarda... Também de Cuba e Moçambique (dois excelentes poetas, convidados especiais), porque ainda que sendo fronteiriço o encontro, os idiomas foram levados a outros continentes e de lá voltaram, revivendo sem desvanecimento. E postos a desterrar temas, os poetas e artistas [plásticos] portugueses puderam constatar como as terras e gentes do seu país estão inseridos na medula criativa dos seus homólogos castelhano-leoneses. Aqui convém recordar essas belas palavras de Guerra Junqueiro para o seu amigo Miguel de Unamuno, quando numa carta recordava ao reitor salamanquino o privilégio que este tinha de poder sonhar com os olhos abertos enquanto caminhava pela incomparável rua da Compañía. A Casa das Conchas - lugar onde se celebrou o encontro - está encravada precisamente nessa sonhadora rua.
É de destacar o empenho da Junta de Castela e Leão, cuja Assessoria de Cultura e Turismo propiciou cantos tão íntimos. Arte e poesia conviveram neste livro onde fica estampada a intensidade do profundo.
Cantos próximos fazendo premonitórios equilíbrios sobre o espaço vivo do coração: o porquê de tal aliança deve-se à irrigação da semente - Odisseia do sentimento - e ao verbo perseguido para lá de qualquer fronteira terrena ou mental.
Dezembro e Tejares (2005)
ALFREDO PÉREZ ALENCART
Universidade de Salamanca
(tradução de Jorge Fragoso)